terça-feira, 2 de setembro de 2008

itinerário

música é boa e faz a gente esquecer do trabalho. barulho é ótimo quando você não quer se concentrar, mas realmente te atrapalha quando tenta ouvir teus pensamentos bons, em geral, aquele rouco, no canto, tímido, quase esvaindo. ah, as idéias ruins... é porque elas não são úteis, senão você veria como eu seria solicitado. já posso escutar meu telefone tocando e eu acenando à secretária, de modo que ela entenda que eu "não estou". toda arte é arte quando se trata de emancipação. quando não se trata de nada, daí é niilismo. artístico. e a vida, malambujada (pra ficar só nos adjetivos de família) ela também é arte, segundo alguns artistas. e se a vida não se trata de emancipação, e apenas coerção, assunção, compreensão racional do estúpido, daí, minha nossa senhora, prepara manto e a luz, que vai sobrar lamúria.
sempre à espreita existe uma certa quantidade de realidade. mas tem que se esforçar. tem que jurar que aquilo que você vê em superfícies que não pertencem às três dimensões não são reais. o que é imagem colorida, impressa ou representada por milhares de pixels, filho meu, não é real. real mesmo é aquilo do lado de fora do ônibus. infelizmente. igonorar o real é justo e legítimo. até apelando pra entorpecentes. mas daí tem aquele problema da falta de criatividade. mais interessante são as figuras de linguagem. é como xadrez, só que mais rico que o preto e branco. quem sabe usar se diverte muito. quem não domina as técnicas de montagem e desmanche de aliterações, rimas, pleonasmos e coisas que produzem um efeito literário engraçado, pra ficar no adjetivo mais simplório (a Macabéa era engraçada), fica só a admirar. o que já é bom. admirar é uma atividade que faz um bem pros olhos. às vezes tem que admirar de olhos fechados de tão bem que faz pra vista. jogar xadrez, compôr com figuras de linguagem e perceber a realidade pra fora do ônibus também são artes. não necessariamente de emancipação. mesmo que pessoas talentosas e esforçadas consigam ajustar os dois lados imprescindíveis. vou voltar ao plausível, palco de Pasárgadas íntimas e exclusivas, solicitações de devaneios e desvios de conduta daquilo que se espera, saúde mental mesmo. o ônibus ainda não me surpreende. continua passando todos os dias. mas tem algo ali fora que ainda vale a atenção. somos nós parados esperando. ao nosso lado, nós dois. poderíamos estar conversando e trocando informações precisas de nada que vá valer alguma coisa no mercado ou na aquisição de qualquer coisa. mais cedo ou mais tarde a gente deve ficar sabendo pra onde vai esse ônibus. eu só conheço o ponto que eu desço. a gente sempre repara nas pessoas que sobem e muito pouco nas que descem. e dou o sinal e o motorista me ignora. ignição. sento resignado. abro o jornal e tenho certeza que o mundo está de brincadeira comigo. ainda dá tempo de voltar àquela praia e construir aquelas coisas. mesmo de areia, mesmo que o mar acabe com tudo no dia seguinte. existe alguma coisa de valioso naqueles instantes que fazem tudo isso (e quando me refiro a "tudo isso" não se espante com metáforas desavergonhadas, porque de fato, não sei ao certo do que se trata tudo isso, está a aberto a interpretações, vis e pueris, de preferência) valer a pena. ainda dá tempo, o mais curioso e pode até ser triste, mesmo afastando de cara a tristeza, e é essa sempre a intenção, mesmo que mal-sucedida (o que seria da experiência da vida se não fosse nossas opções mal-sucedidas?), a idéia é que ainda dá tempo. o garfo do almoço de ontem funcionou como diapazão. o lá não estava lá então afinei de ré. a viola é velha e ainda faz comida boa. a música alimenta e emancipa se tocada de coração (foi um passarinho pra lá de esperto que me contou). liguei avisando que hoje estava doente.

domingo, 17 de agosto de 2008

monólogo

bege é uma cor que, de tão triste às vezes é suicida. portanto, deve sempre estar acompanhada de cores sóbrias e equilibradas. não queremos cromocídios. mas cores alegres destoam, e por isso irritam o bege, coitado. o bege sempre deve estar acompanhado, sempre. na essência ainda sou o mesmo, apenas me tornei mais tolerante à vida e todos os seus aspectos repressores e conformistas. fiz um samba-canção. nada rimava com nada. era profundo demais e utilizava metáforas que só eu entendia. ninguém gostou. por isso nem eu. nem nós. fadado a solar na escala de um dó sustenido, sempre amparado por retóricas fáceis, de chassi de caminhão. o medo maior era o branco. o ideal era o argumento sincopado. a cor sincopada. elas eram todas plenas, até as secundárias. precisava de alguma mancha. e escutá-la. minha primeira experiência Gestalt foi à base de molho de tomate. interpretei "descoordenado". não ressoava e isso que me deixava intranqüilo.
- ressoa!
foi em vão. os pássaros riam. e iam. o rio que havia ali foi aterrado. genial. se ainda houvesse o rio, poderia escutar o som do azul. mas dessa vez do azul doce do rio. riam. e assim se foi. em silêncio. o burburinho se esconde por trás de algum lugar da posição cromática. eles não me enganam e eu espero que eles saibam disso. minha filosofia é focada demais, não presta. abandonei a semiologia. me dizia muita coisa, mas de modo muito monocromático. vou voltar para o meu sertão. lá pra minha tribo que ainda me espera. pequeno pássaro azul. um ideograma de urucum que explica. e ressoa. alto demais. só os pássaros conseguem compreender porque são os únicos a voar tão alto. tão alto quanto o ressoar da minha vestimenta à base de urucum. a cor é uma vestimenta. o som é uma armadura. a poesia é letal, meu filho. uso-a com cuidado. vermelho. vermelha. o azul é sempre o mesmo. o gênero da cor só importa quando altera a gravidade do timbre. o azul é profundo e talvez seja por isso que passo a persegui-lo. tão profundo quando meu samba-canção. tão profundo que às vezes fica melancólico e triste. daí mantenho o bege à distância, só por precaução. detesto mortes trágicas. de rios e cores. daí sobra o cinza. sobre cinza. e estacionamentos. uma dialética entre o horizontal e o vertical. prédios espelhados, altos e completamente desnecessários. estacionamentos abaixo preservam aquilo que nos deteriora. asseguram que nenhuma planta passe por perto. começaram pelos rios, passaram às árvores. mais cedo ou mais tarde chegarão na gente. por isso que eu volto e componho músicas sem graça. a falta de talento não me desestimula. o que me desestimula mesmo é o prazo. e farto de todos os bilhetinhos corporativos de três dígitos que recaem sobre minha caixa postal mensalmente. faço da minha tralha (minha rede, minha malha, da boa), talher e toalha, uma trouxa, por eu que não sou besta de ficar aqui à toa.
com o dedo indicador eriçado junto ao nariz, ameacei e fiz uma promessa que já esqueci. o que pertence ao devir deve ser, momentaneamente, negligenciado. o arco-íris foi patenteado, e agora tudo que for colorido demais corre o risco de ser confundido com uma alegria que talvez não seja bem essa que você gostaria de transmitir. por isso o som. alto. autos, não. são barulhentos, poluidores. buzina atrapalha os namorados da frente, enfarta passarinhos e ofendem mães alheias. buzina é um rosa-choque saturado na retina de uma criança. crianças, pelo menos elas, deveriam ser poupadas. os passarinhos também. E todas as plantas. idiólatra, o ser humano moderno não perde esse hábito. algo me diz que o perigo dessa passagem ser irrelevante recai mais sobre o monótono da cor do que o monólogo do discurso.

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Sintoma

Pelo recalque, pela idéia. Assim. Suspiros e uivos do vento. Frio. Tempo de pensar. A câmera se afasta ao gesto do diretor. Assim. O close, o zoom. O momento certo. Plano americano. Corta. O casal, ocasionalmente se fala. Se afastam e pensam no devir. Absolutamente individual. Como a luta. Absolutamente trivial. Como a luta. Honestamente sincero, em seus anseios. Na marra, ela foi aprendendo sobre cada segundo do entardecer, sobre cada tonalidade branda e acesa. Sobre as frações e as erupções de pensamentos presentes nela. As erupções. De todas as qualidades e gostos. O mineiro é simpático demais. É poeta de nascimento. Afável. Afáveis. Quando criança, sonhava em ser Deus e controlar vida e morte. Ao bel prazer. Quando crescido, buscava espadas e dilemas, princesas e carrinhos. Ao bel prazer. Quando adulto, pacato e torpe quando necessário, em seu corsário negro, ao som do mineiro ao fundo, em pé, espera sua vez na catraca. A catraca emperra quando não paga e não escapa à sorrateira habilidade infantil. A bola escorregadia, na chuva desliza e escorre junto à guia, e a água joga no time de cima, pra descer todos os santos e chuva forte ajudam. A bola foi parar lá na rua de baixo. As sensações são boas, como a maioria delas. E estão guardadas, sentadas, quietas, na fila com a senha na mão. Basta agora uma boa lembrança e uma boa memória, um índice remissivo atemporal, e ela te surge como um momento presente e pleno. Como todos os presentes deveriam ser. O desafio de driblar a angústia, no final das contas, é descobrir a maneira mais eficaz de materializar e verbalizar teus sentimentos. E assim então, seremos. Serenos e absolutos. Arbitrários e coerentes com todas as manifestações de nossa contrariedade. Um processo curioso, pra ficar no mínimo, se me perdoam a humildade. Jocoso, jogava bola como um palhaço. Para todo estardalhaço, o tom manhoso. Tinhoso, teimava com sua pirraça. Na praça, estudava o sol risonho. Sem ritmo e precisão, sincopado como todo peito pode ser. Apostava mais naquelas que bicavam o chão e se ascendiam no medo. Sozinho era sua maneira mais eficaz de ampliar sua dimensão lúdica, a mais necessária, e que sintetizava tudo. No final, se é que havia um, pertencia à casta dos resguardados. Pensava nos netos e nos pais e nos avôs. Pensava sempre, como um exercício. Ao bel prazer. Ao belo. Aos netos. À moça do perfil inesquecível. Suas anotações pertencem à terra. Seus olhos. Sua esperança é luz e o caminho agora deve ficar mais prático. Enquanto sonha acordado pode ignorar o diretor e seu mega-fone, suas decisões arbitrárias, e sorrisos triviais, de medo. Este, meu senhor, é o seu merecido momento, e descanse os braços. Apenas escute a nota que toca em seu pensamento.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Livro.

Idéias são o suficiente. Idealismos atrapalham. Nunca tive idéia suficiente para escrever um livro. Livros são repletos de idéias. Idéias sempre são suficientes. E livros podem ser idealistas e sempre perigosos. E tudo que corre risco. Para tudo que foge do alcance. Livros são disponíveis e inalcançáveis. Idéias são inalcançáveis, intocáveis e insuportáveis. Idéias não são presas nem esquecidas. Idéias também são perigosas e são livros e são engraçadas. Nunca tive idéia do que escrever num livro. Idéias suficientes. Nunca fiz idéia de todas elas. Livros são idéias bem pesadas. Livros são idéias suscetíveis à gravidade. Não há gravidade que não seja reclamada num livro. Idéias incabíveis e prolixas pertencem ao universo dos livros densos e simples. Idéias incríveis e livros pretensiosos. Livros são estruturas maciças e ficam estabilizados na estante. Nada se mantém estável com livros por perto. Cobertos de razão e improbidades. Nem as idéias, nem os livros. Nem nada. Muito menos niilismos. Li tudo isso num livro.




segunda-feira, 14 de julho de 2008

todos

não sou mais um velho. e nem mais tempo temos. nem ter porque querer. nem desejar, nem dever. nem dever nada à ninguém. apenas aplausos e agradecimentos. os amigos que se vão e a todos aqueles que sempre estarão por perto, por bem ou por mal. pelo sim e pelo não. pela dúvida. pelo privilégio da hesitação. ode à homenagem. ode ao bom gosto e a tudo que só de se presenciar já faz bem. perto daqueles. longe de tantas. ah, meus amores. meus filhos minha vida meus deuses que sempre me acompanharam. meus eus, todos eles, meus erros, meus acertos. seus acertos e seus erros também. a eles. pra todos os meus bens, por todas as valsas e todas elas com seus lindos vestidos. elas sabiam o que estavam fazendo. elas sempre sabiam! como eu não pude perceber... elas sempre sabiam. e se enganam todos aqueles - e tudo isso, veja bem, são pra todos eles - que sempre pensaram que iriam derrapar, e desviar, e desarticular na hora principal. pela mancada pelo deslize. pelo não-atrito e tudo que cai. pela benção da gravidade. precisamente nesta hora. precisamente e necessariamente e todos os vocábulos de posse e de perda, e de estímulo à dimensão. pelos hieróglifos, pelas desenhos infantis. inclusive os da tv. por todos os rabiscos. pelas beiradas. pela impressão passageira e pela constatação. pelo eterno retorno. cada punhalada, ora só, tal dramatismo, cada ponta pé, preciso e denso, naquele instante. cada toque em cada tecla, cada letra escrita e cada sentimento direcionado e redirecionado. sempre precisamente esparso. sempre. a todos aqueles. ao exercício da dedicação. ao ode eterno. jamais aquilo apenas. são pra elas. são para os pequenos também. toda benção, todas as condições pressupostas às pulsões positivas, e tudo aquilo que emancipa. todas as histórias sem moral alguma, tudo que é ininteligível. pelas rimas mal-formuladas quem sabe. inclusive aquelas. àquelas. àquelas. à todas elas, meu bem. abusando da crase de forma completamente equivocada. pelo talvez. pelo meio e pelo modo. pela forma e a apreciação. ao uso indiscriminado de todas as acentuações. ao suprimento de todas as expectativas. também se trata disso. à todas frustrações, elas são bem-vindas quando evitam megalomaníacos. a mentira é uma verdade megalomaníaca. às duas. aos dois. ambos e todos. como o sucesso periódico e o reconhecimento e o agradecimento e a pausa. a tudo aquilo que indique vida e que indique morte e que indica a mesma coisa num mesmo tom. aos desafinados, com certeza, e a pujança de atitudes levianas. a todos os levianos e levianas. ao desapego do gênero, a todos os tratados antigos e conspirações futuras. constantemente atento às conspirações. e por favor, me prometa, obcecadamente distraído. obcecadamente. e sempre, a todas e todas, redundantemente, publicamente vinculado com a repetição, com a permissão materna de todos os equívocos, que todos sabem, servem pra educar. e educar serve pra evoluir. e a todos os mestres que já tivemos e que teremos. e a todos os músicos de todas as glebas. e todas as repartições públicas e elementos privados. às minúsculas. a todas as propostas inúteis. a todos os fins-de-semanas desencontrados. ao orgulho retumbante no passado. à lembrança. à homenagem. à humildade. a todas as lágrimas que caíram e cairão, por todos os momentos que ainda vamos passar juntos, aos desejos intentos desígnios desenhos e sonhos, de dia de noite, a todos. pra sempre. mesmo que seja apenas nesse instante.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

sinusite

a sinusite reveste a cabeça com um capacete repleto de punchs e jebs precisos. pensar dói. espirrar dá barato, sempre deu. de kombis em movimento e roupas coloridas à mão. espirro e flutuo. levito, assuo, espirro. espaço. esparramo pelo chão. limpo. ao meu redor o silêncio estrondoroso me convida a morrer. morrer de mentira, só um pouquinho, nada muito sério. morre depois levanta. acorda, bem disposto e intencionado. sinusite. voz nasalada, narinas entupidas e cabeça congestionada. congestionadíssima. buzinas mil. o gongo não toca, e quando dá a sinapse sai faísca e é um deus-nos-acuda. o santo dos enfermos não trabalha com tarja preta e vou continuar na água mineral. paulattinamente. suo pra afastar a doença. assuo em vão. a sinusite ronda, espreita, espera, e despacha num resfriado desavisado, de uma friagem descuidada, de um sereno manso e contundente. penso bem devagar agora. enfrento o moinho-nosso-de-cada-dia. olho por olho e toda a legislação de Talião por tabela. agora beijo só as bordas com receio que ela vá me engolir, mais cedo ou mais tarde. tenho tempo de só pensar coisas boas. futebol, jujuba, polenta da mamãe pudim de amor feromônio de Praga toda tentação e toténs coloridos e interativos e júpiter escarlate mitos e heróis irriquietos aos passos largos e marcantes de todas as estruturas que talvez apenas de vez em quando e a graça de ver tudo mais saturado, mais technocolor e a perspectiva de cima faz cócegas e dá um alívio se pensar que ainda me arrasto daqui de baixo e a vontade de rir e a dor na barriga e é de lá que eu vou voltar. febres lisérgicas e seus bibelôs e adornos em módulos e pêndulos. penduricário e papagaios. um parafuso distante. jamais a menos.

segunda-feira, 30 de junho de 2008

Festa Junina

a todos meus antepassados da roça, de onde eu vim:
junino é um menino festeiro. rojões assustam os cachorros. a fogueira esquenta e afugenta os maus espíritos. queimou o meu amor. meu bigode é ralo mas apropriado. minha bota rota é suja na sola.
meu remendo colorido, lembra Volpi no céu. meu dente preto representa ausência e não feijão.
o caipira, sua moda de viola, o gênero musical mais existencialista. a vida no campo, sozinho, rodeado de vida. pensativo, contempla e canta. a vida no campo, remendo no bolso, caldinho de feijão. feijão tropeiro, arroz carreteiro. chapéu de palha e boa educação:
- dia!
- dia, cumpadi.
a paçoca é a coisa mais linda que existe. quadrada, rolha, espatifada, despedaçada. doce. o balão vai subindo. o pé-de-moleque... o amendoim é a matriz da felicidade. tem o milho. o milharal. a pamonha. tem os cavalos, e a cavalgada. as moças tão bonitas, são cortejadas. eu cortejo todas elas. engasgo com a paçoca. às vezes quando como rápido.
o caipira tem uma filosofia que é a base de suspiro. suspiro e contemplação. tem a fogueira. a gente pula. tem a ciranda. tem os amigos e o bilhetinho do amor.
angu. broa. quentão. tem o povo na praça central. conversa fiada. fiada e gostosa.
o sotaque é um deleite. doce de leite. Chico Bento.
toda cortesia é por conta da casa. referência aos santos. ao sacro. referência a Nossa Senhora de Aparecida. minha Nossa Senhora rogai por todos nós, amém. tem as romarias. a procissão.
junino é um menino esperto e festeiro. pula fogueira e solta balão. as bandeirinhas coloridas são fáceis de fazer e presas em barbante.
cultura do dengo.
e mais um punhado de não sei-mais-o-quê.
a roça é plena de tudo aquilo que um faz um bem danado.
a comida. as pessoas. a música.
retiro meu chapéu no instante em que elas passam.
sorrio, cumprimento.
meu cavalo se chama Pangaré. gosto tanto dele que não chego nem a montar no bicho. mas ando ao seu lado, em pé. e levo pra tudo quanto é canto.
a gente pesca e confere o pôr-do-sol. todo dia, pra ter certeza que as coisas são o que são e existirão do modo que devem ser. estar é um ser momentâneo que a gente gosta de perpetuar.
se está bem, está bom.
o Pangaré dorme de pé, nem precisa deitar.
bicho esperto demais.
o caipira é muito romântico. é congênito. oriundo de tudo aquilo que faz muitos sentido. sentido é de sentir. sou devoto de todos os caipiras.
Seu Antônio, Seu Pedro. ô Seu João. obrigado por tudo.

sexta-feira, 27 de junho de 2008

hoje é o dia internacional da poesia incontida, impossível a caminho de se realizar, ninguém pode, mas pode espiar e sem prescrição de qualidade!
viva!

meu amor
eu te amo
eu te amo
mais
até que
aquele biscoito de goiaba enroladinho
na embalagem antiga e vermelha
que vende no supermercado

meu amor passional é constante mas displicente e disperso.
amo de tudo um pouco, amo até dormir dormindo.

te amo e rimo
sem graça
na marra
amasso
e passo
adiante
adiante só tem você
ui!
hahaha
te amo mesmo, é sério
tudo que tenho é o amor
escondido e tímido
mas dá uma chancezinha pra ele
explode
bum!
caio duro no chão
ligo para os meus pais chamarem uma ambulância
não sem antes perguntar quanto foi o jogo do Corinthians
isso sim vai ser decisivo na minha recuperação
sou muito sensível

mãe, quer um presente bem bonito?
"vai,
boiadeiro que a tarde já vem
leva o teu gado e vai pensando no teu bem."

dedicado a todos aqueles que acreditam na livre emancipação de rimas, não-rimas, de ficção ou não-ficção, indefinível como a própria estrutura, e assim só, declarar:
hoje (mas pode ser amanhã e o sempre) dia internacional, quiçá universal, dos poetas desenganados, torpes, esquecidos em seus cotidianos chatos quadrados patos pra burro, entediantes porque previsíveis.
ao contrário do meu final.
fim.

aliás, em sua qualidade de voltar atrás, aliás essa é a sua única função, e não importa quantas funções você tenha desde que faça bem. aliás, conheço uma palavra que faz muito bem isso: aliás.
se tum-tum-tum e de repente, plaft, escorregadio e bem lentamente. te acudo. posso? com licença então, pré-escrevo lá no aliás, e espero que tu sigas fiel, meu filho: que se quando rima, então meu amigo, alforria! viva!

aqui me despeço e volto pra casa
aqui me desfaço e volto pra roça
aqui desenrosco e me esqueço na praça
assim, sem graça, desmancho uma poça

preposição: a

curioso como algumas pessoas são teimosas e aquela sensação de que você está sabotando a você mesmo e aquela pergunta impossível, por que você faz isso contigo? quem ganha? você não ganha. e eu me pego olhando e fustigando e indo atrás e eu sei o quanto custa isso e o que pode ocorrer em seguida. cabeças baixas, coração mole e todo aquele tormento. chega de tormento de saudade de passado e de ver isso. esquece, desliga, volto atrás, faz de novo, começa outras coisas e pelo amor de deus, larga a mão. é tudo de uma tacada só e te toma pela garganta desce arranhando e seus pensamento engaiolado numa sina e rebate, rebate e volta, e pinica e cutuca e você lá estirado no chão, cansado de bater a cabeça na parede se perguntando pela enésima vez, por quê? por que meu deusinho, por que de novo, por que eu, por que dese forma? tem jeito? não tem jeito, niguém ganha. eu não ganho. você ganha? eu não ganha jamais, você tem razão, você tem toda razão, agora eu percebo como você só agora pode ser tão absolutamente correto e perspicaz. você não ganha, eu não ganho, você não ganha mesmo idiota, sem ofensas agora, não ganha, porque você ainda que insista o contrário sou eu, e somos nós todos nós e só quando todos nós incluindo eles percebemos o quanto todo e quanto nós nós mesmo ao todo somos, aí sim as coisas serão diferentes. e enquanto você for apenas uma parte e o todo se compromete com o zumbido, o zunido, o tilintar, e toda forma de expressão que atormente, atordoe, desmonte e que decline aquilo que ainda nem progride. mas chora. chora demais. claro que ninguém vê e jamais verão, jamais, você não vê e muito menos eu, longe de mim. não quero ver nada. quero ver quem vai ver mais do que eu. eu vejo lá no fundo. tudo é transparente e eu só eu sei o significado das coisas. prontifico e me retiro. chega de ver novamente, chega de analisar, pesar, quantificar, avaliar, comparar, medir, posicionar, alinhar, delimitar, testar, testar novamente, indagar, cumprir, referenciar, imobilizar, soltar, imobilizar novamente, despencar, atirar, resgatar, revolver, receber, renomear, relativizar, relativizar sempre, sempre que pode, alçar ao longe e eterno o sempre.
cair.
para todos aqueles que ainda.
para tudo. pára um momento, respiração profunda, ao âmago. esquisito.
está muito estranho agora.
atenção. acende, apaga. clap. claro, escuro. clap. acende, apaga. clpa. claro, escuro. clap. claro escuro acende apaga clap claro escuro acende apaga claro clap.
esquece. deixa pra lá.
já vou dormir mesmo.
respira fundo novamente, respirar faz um bem danando quando se está apto para. pronto para. adequadamente preparado para. recombolicamente entusiamado para. todas as formas intransitivas indiretas de ser e estar e qualquer.
e começa tudo de novo, Maria, tudo de novo... a primeira nota maestro: dó. suspender! dominar, reter, soltar, procurar, buscar jamais encontrar, encontrar tudo, agora, voltar jogar pra cima debulhar desenhar deter fustigar mexer amedrontar amealhar nada jamais amealhar tornar novamente o que significa retornar e pensar tudo de novo pensando daquela forma que mede que pesa que analisa que retoma que não satisfaz que jamais quer satisfazer que não vai parar enquanto não olhar e encontrar aquilo e perceber que o todo ao redor redondamente enganado estava eu todo esse tempo e não tenho tempo nem pra me arrepender enquanto penso nisso e aquilo e retomo e quantifico e tiro qualquer saldo e ponho no bolso e me dirijo a.
silêncio.
por favor.
preposição.
agora.

"senhoras e senhores, aos vencedores, todos os meus mais sinceros e retumbantes aplausos."
clap, clap, clap, clap.

ainda há tempo. na manga, sempre. na mente e no coração. tudo que faz bem, se guarda na mente e no coração. e mente pode ser espírito se você quiser. há tempo de rever e revisitar. sempre há tempo de revisitar Lisboa. hmmm-hmmm. (em voz alte de pé. tambores).

Não: Não quero nada.
Já disse que não quero nada.
Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer. Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral! Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) —
Das ciências, das artes, da civilização moderna! Que mal fiz eu aos deuses todos?
Se têm a verdade, guardem-na!

Fernando Pessoa.

sábado, 21 de junho de 2008

banco

gosto de falar de Deus porque não é mais profano e não precisa pagar royalties. Deus não cobra juros. bancos cobram juros. muito. bancos são poderosos como deuses. criam e descriam. cobram e dobram. bancos são poderosos como deuses e são a encarnação do capeta. cobram e dobram. não gosto de falar de bancos porque vivo endividado. agora, gosto de falar de Deus porque faço um monte de promessa e não tem problema não cumprir nenhum delas. o cheque especial divino é indulgente. misericordioso. prodigioso. eterno. rezo e faço uma lista de pedidos e agradeço. agradeço sempre. agora, quando entro num banco eu já rogo uma praga. praguejo. praguejo até ficar rouco. maldito sejam todos os banqueiros. com suas fortunas e mania mégalo de ficarem mais afortunados ainda. banqueiros são diferentes de bancários. bancários são meus amigos. fazem a barba diariamente e tem o cabelo de reco do exército. exército é uma espécie de escoteiros com cara de mau. exército ajudam velhinhas a atravessar a rua na marra. te alistam, te pesam, te testam infantilmente com abelhas, colméias e uma conexão a lápis comidos. banco te testa com intimações constrangedoras. já meu amigo Deus não testa ninguém. aberto vinte e quatro horas por dia, encontra-se dividido entre os mais diversos templos. já meu banco não tem caixa vinte e quatro horas no interior, por exemplo. religião e contas bancárias não devem competir. nada deve competir. competição serve pra exaltar o talento de um e destalento de muitos. deixaremos por enquanto competições de lado. troféus, medalhas. pensaremos em bigornas, língua-de-sogra e jujuba. bancos têm balas no balcão. jamais jujubas. eles definitivamente não me conhecem, mas sabem exatamente onde gasto meu quase-dinheiro-meu-dinheiro-deles. bancos querem ser gentis enviando cartões de crédito de graça. cartões de crédito é a ruína do sujeito. é a mina de ouro dos bancos. os juros acabam com o cidadão. progressivo e retrógrado. dispenso gentilezas de bancos. fico apenas com os dez dias sem juros no cheque especial. eu não gosto de bancos. tampouco Deus gosta de bancos. Ele me disse. Deus gosta de dias ensolarados e amores recíprocos. bancos são frios, possuem portas giratórias que apitam, vendem produtos a juros, te colocam em filas e sempre que podem ficam mais ricos. antigamente juros era pecado. acabaram com essa idéia. juros, agora, é dever dominical, infalível, reajustável sempre que possível. agora, cancelar contas no banco, sim, é um pecado. e castigável. via crucis: ligar, conseguir uma informação correta de como fechar uma conta e ir até o banco cancelar, é digno de especial de Natal. o final não é bem feliz pelo desgaste de todo o processo. é um parto. você liga, uma mulher eletrônica te atende, você aperta um número, outra pessoa te atende e se apresenta tão rápido e automático que você não conseguiu traduzir o grunido. até dá uma certa sensação de culpa de não chamar a pessoa pelo nome, sensação que passa bem rápido quando você percebe que encarnou o protagonista de O Processo do Kafka via 0800. te transferem para mais dois ou três atendentes, que te transferem reciprocamente entre o pessoal do setor "transferências de chamada". bancos possuem 457 funcionários para transferências de ligações e zero funcionários para cancelar contas. aconteceu comigo. meu pedido de colar um post-it com meu nome sublinhando a frase "cancelar conta" e grudar no computador de qualquer gerente foi recusada. prático demais. depois de uma hora e 728 transferências (o sofá já tinha meu molde, preenchendo de gesso você teria a forma exata da minha bunda) conclui que, ou eles pensam que você é burro, ou eles não fazem a menor idéia do organograma de hierarquia da empresa, pois sempre cometem o mesmo equívoco de "transferir para o ramal correto" e, olha só que engraçado: musiquinha instrumental de gosto completamente duvidoso até para os padrões dos anos 80, atendente com seu bom dia ligeiro, e, deixa eu adivinhar, você vai me transferir pra pessoa certa?
- olha, é só cancelar a porra da conta (palavrões são filhos da impaciência com a incompetência), dá um delete aí na bosta da tela...
daí eles te chamam de senhor e pedem por favor pra você aguardar um minuto que eu serei transferido. eles acham que "por favor" e "senhor" são suficientes para qualquer tipo de abuso. "bom dia, senhor, por favor, posso te tratar como um idiota, passar a mão na bunda da sua namorada e dar uma festinha no seu apartamento esse finde? antecipo meu agradecimento pela compreensão." "ah, claro que pode moço, você é tão educado". chega um momento que já não existe argumento pra você não cancelar sua conta, a coisa se torna pessoal. você verifica se ainda possui aquela marreta na garagem e quais são as chances de chegar ileso até a embaixada mais próxima pra pedir asilo político depois de estraçalhar alguma agência do seu banco.
enfim, você é solicitado a pagar algumas dezenas de impostos e juros que vão surgindo na sua conta quando ela resolve fechar, e então você comemora a liberdade. que dura na verdade dois meses, até eles resolverem te mandar novamente um cartão de crédito no seu nome. tomei um negocinho que me fez repensar a idéia de descer, literalmente, goela abaixo do gerente, aquele cartão luminoso, atraente, como meu nome completo e aceitação internacional.
nunca li a Bíblia, mas sei que tem uma passagem que Jesus nega a tentação do Diabo. e pelo que eu me lembro a coisa termina aí. não, obrigado, e o Diabo se retira. banco é pior que o Diabo. não existe 'não' pra eles. só existe: vou angariar lucros exorbitantes cobrando juros mais exorbitantes ainda te ameaçando periodicamente com o Serasa e o SPC.
uma espécie de estelionato sofisticado. sofisticadíssimo. maldito sejam todos os diabos e seus hábitos de estelionatos sofisticados.

árvore peixe ruiva

brincar de esconde-esconde com as árvores é sem graça porque eu sempre ganho. elas se escondem atrás das mesmas árvores. elas nunca conseguem me achar.
não sou ateu, mas fui um teocida. matei Ele e enterrei no quintal junto de um peixinho que por infeliz precaução alimentei duas vezes no mesmo dia. será que Ele vai pro céu? agora é minha vez de ser deus. ninguém vai sentir falta Dele. ninguém sente falta de nada. ninguém tem tempo pra sentir falta de qualquer coisa. as pessoas constantemente sentem falta de alguma coisa. as pessoas correm apressadas e compram e comem e correm e reclamam e sonham e voltam a realidade e sujam e desperdiçam e pensam no futuro, que francamente, não existe. não adianta pensar numa coisa se ela não existe. até funciona, mas como exercício da imaginação, menos como prognóstico e perspectiva. o futuro é o constante-não-existível. enquanto não existir e enquanto constante, é o futuro. se o futuro existisse se chamaria presente. e se o presente fosse sinônimo de futuro, as pessoas andariam mais deprimidas. Deus não está morto, está distraído apenas. e se de repente Ele estiver morto, bom, não fui que matei. e se foi, foi sem querer.
árvores são melhores de subir do que brincar de pega-pega. Deus é um pai triste.
fiz um amuleto e saí com ela. depois saí com a outra do cabelo ruivo e bonito. ainda tive tempo de me encontrar com aquela da voz rouca. gracinha. não posso parar. me dei bem e agradeci ao amuleto. garotas bonitas e inteligentes são mais legais que subir em árvore e brincar de deus.
livros fazem você querer sair de casa, jornais não. plantei uma muda no quintal, junto do peixe e de Deus. quero que ela vire uma árvore. não tem absolutamente nada a ver com filhos e livros. tem a ver com árvore, tronco, folhas verdes, flores, passarinhos e assobios.
buzinas me dão sustos. enquanto eu não desço eu me distraio. aqui em cima estou perto de Deus, dos passarinhos e jamais ela me encontrará. daqui de cima vejo ela parada. enquanto isso penso na outra, na ruiva e na rouca. penso numa música e esqueço que está tarde e preciso descer.
adultos não brincam mais de esconde-esconde. adultos brincam de esconde-esconde o tempo todo, mas sem ninguém procurando, pois assim, a brincadeira nunca acabará.
só vou descer pra molhar minha muda no quintal. ainda bem que estou com meu amuleto.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

afagos e salsichas: um buraco

plá-plá-plá-plá, stiléquete, stiléquete, stiléquete, xapluift, xapluift, xapluift. izrblirlãg-lóflit.
atordoado entre rastejantes e asquerosas onomatopéias ininteligíveis, nosso sujeito, ainda um quase protagonista que dispensa apresentação, ditames e ditados, escapa de mais uma e sobrevive. uma pá. um quintal , um aterro. não pode esquecer do canudinho, claro. como um snork, não a onomatopéia. snork de mergulho. cava, cava, cava. rrrfucutachk fazia cavando e batendo a pá entre as lajotas da beira. sete palmos. hmmmm... mau presságio. cava mais então. rarruf, puf, rarruf, puf, a terra macia caía mais macia em cima da terra já cavada. oito palmos, dez! palmas. e agora, quem vai limpar essa sujeira? hein, capitão, quem vai limpar essa sujeira? o sujeito, agora capitão, necessariamente precisa de um auxiliar.
cachorros são bom auxiliares, obedientes e bonitinhos quando bebês. cachorros sabem enterrar. igual o do filme. enterrar, rebater e salvar o dia. meu tipo de cão. vai lá garotão. au-au, salsichas, e bem, vocês sabem como é fácil fazer o dia de um cão. salsichas e afagos. rabo pra lá, rabo pra cá, rabo pra lá, rabo pra cá. rabo para lá e para cá continuadamente.
o sujeito-capitão-adestrador-de-cachorros, agora enterrado erige (e herege, sempre) seu canudo de contato com o ar. oxigênio. vuuuu, vuuuuu. respiração parcial. cachorros parceiros. espaço sideral. aterro. quintal. buraco fundo. preguiça. sono. noite-dia, dia-noite. escuro. canudo. oxigênio. já passou um bom tempo. tempo suficiente. já passou. cachorro vivo. salsicha. au-au. cachorro cava. cava bem demais. desenterra o capitão! e agora, na inconfundível e contagiante excitação canina, vamos lá garotão, pule, e mexa seu rabinho, e sente, e pule, e finja-se de morto como eu fingi. viu? quem vai ganhar salsichas? quem vai ganhar salsichas? quem vai ganhar salsichas?
eu vou, eu vou.
snork imundo. roupa suja de terra. ninguém vai limpar essa bagunça. totó. totó do capitão. quer mais salsicha? pega, morde e arrasta um tapetão, bem grande, bem persa, bem preso. traz pra cá. muita sujeira debaixo. terra minhoca e um buraco. põe lá e ninguém viu.
qrrrr, qrrrr. esse tapete vai levar horas até chegar aqui. encomenda. faz um. trança. tear, essas coisas. vovó!
- alô, poderia falar com a minha vó? Dona Vovó é o nome dela. enrugado. não lembro, Senhor, já faz uns anos em que ela se foi. sei. era branco e ralinho. sorriso fácil e cansado. isso. não? por que não? quem é o seu superior? deixa eu falar com Ele. alô, Deus? oi. oi Deus, te amo. só isso. esquece minha vó, te amo Deus. amém.
Deus é extremamente persuasivo, extremamente. não é à toa que tem sucursal em todo planeta.
bom totó, esquece o tapete, esquece o buraco, esquece a vovó, o tear e aquele verão de pogobol, frescobol, anzol, bolinha coloridas e apressadas, mar, chuá, sereias e uma aposentadoria fictícia. esquece o chinelo. agora frieiras, botas e o meu título de capitão. por favor, não esqueça do meu título de capitão. titio vai voltar pro buraco.
cava, cava, cava, sploft, skléqueti, tipluf. roinc, pum, bléin.
ok. salsicha. pode enterrar. afago.
snork, oxigênio rarefeito e justo.
hmmm, já poss sentir o cheiro de silêncio.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

sagüi, mão pequenas e ele

sempre desconfiei de quem não acredita em Deus. desconfio também de quem não sofre, periodicamente, com alguma crise existencial. não confio também em pessoas de mão pequena. jamais confiarei então, naqueles que abusam da primeira pessoa.
ele pára. pensa. se sente culpado e volta a escrever.
ele não confiava em ateus. frios demais. não confiava em que não tinha nenhuma crise existencial de quanto em quanto, conformados demais. e, não sabe bem o porquê, se foi alguma experiência ruim na infância envolvendo o circo e atrações bizarras, mas ela não confiava também em pessoas de mãos pequenas. sagüis estão completamente fora de questão. cachorros sim, fiéis e companheiros. sagüi, meu irmão, se deixar leva até tua esposa.
sagüis estão bem em cima das árvores, cachorros são bons no passeio.
não se sabe o que esperar de sagüis e pessoas de mãos pequenas. nunca se sabe.
ateus, em geral, brigaram com algum pai. simbólico, coisa de psicanalistas. pátria, partido, padre. todos as referências de ordem maior num arquétipo masculino ou algo do gênero, exatamente do gênero. conformados jamais brigaram com o pai. nenhum. nem a mãe, nem o irmão espaçoso, nem nada. não brigam, é uma opção divina. é dádiva, desopila o fígado e te faz querido em ambiente sociais.
sagüis, em geral, são queridos em ambientes sociais. como cachorros bonitos e crianças recém-nascidas. mas até eles começarem a bater carteira, dar um gole na sua cerveja e dar em cima da sua garota. daí eles são expelidos. sagüis são meio macunaíma. por isso desconfie deles. bonobos são macacos gentis e que transam muito. por isso gostamos deles. porque queríamos ser gentis e gostaríamos de transar muito. bonobos resolvem atritos e encalces sabiamente. mas estamos ocupados demais trabalhando e brigando com alguém. chimpanzés freqüentam circos como sagüis e pessoas de mão pequena. chimpanzés são mais violentos. por isso agora gostamos de bonobos. chimpanzés poderiam ser motoristas em grandes metrópoles, sagüis poderiam ser políticos e bonobos poderiam desenvolver uma bonocracia, onde a gentileza e o sexo conciliador resolveria os atritos sociais mais proeminentes. preeminente e proeminente me confundem. sagüis me enganam, e pessoas de mão pequena me deixam desconfiado. como abusos em primeira pessoa pode ser algo patológico, ele pára nesse instante

terça-feira, 10 de junho de 2008

pessoas geniais, incompreensíveis e portanto, fundamentais pra nos preservar na nossa própria ignorância reconfortante

uma vez li um comentário incrédulo sobre fanatismo, e romântico sobre fé. dizia algo sobre a fé ser solúvel. café. inevitável associação. mas o que interessa é que uma vez Marx disse que tudo que é sólido desmancha no ar. longe de qualquer acepção sociológica ou quântica, nunca consegui associar com outra coisa senão receita de bolo. nega maluca mais especificamente. o que é sólido, cozinha e se desmancha, naturalmente, no ar. não é isso que eles quis dizer? é engraçado ser ignorante, né? ferve e evapora, mistura e desaparece sem a gente perceber. fermento, manteiga, a empelotação que a farinha produz. só consigo pensar nessa frase aplicando numa receita de bolo. pessoas brilhantes e poetas sofrem disso: incompreensibilidade. Lacan, por exemplo, se tivesse um filho, jamais teria a menor capacidade de ensinar alguma coisa -- digo no âmbito ético, social, longe de conceitos psicanalíticos -- pro moleque, afinal, se é difícil pra estudantes universitários e até professores mestrados entenderem o que ele diz, imagine uma criança de dez anos. não sei como Lacan explica que não pode jogar bola dentro de casa, mas com certeza o gurizinho não vai entender. as pessoas não entendem nem o bom-dia do Lacan. precisou transcrever um seminário pra diferenciar quando ele está dando bom-dia e quando ele está relativizando sobre o desejo (num sentido lacaniano), influenciando o sujeito e o seu subjetivo (num sentido lacaniano) perante a ética normativa da contemporaneidade. precisa de um dicionário especial pra entender Lacan, já que ele resolveu ignorar que as palavras já tinham significado próprio e pertinente antes dele nascer. mas daí ele resolveu dar um sentido lacaniano pra tudo. a mãe dele achava o menino prodígio e criativo, "olha só, ele já inventa novos significados para os paradigmas da neurose na modernidade", o pai, como todo bom pai perante um filho incompreensível só pensava, "onde foi que eu errei...". eu não poderia falar de pessoas brilhantes e incompreendidas sem citar o Nietzsche, que já começa sendo incompreendido no próprio nome. com nove letras não tem o menor cabimento apenas três serem vogais. enquanto Marx mistura marxismo e culinária, Lacan tem seus bom-dias ignorados, Nietzsche tem a impressão que ofende alguém quando se apresenta. Isso pra não falar de Freud e de como pegou mal aquela história de Édipo e coisas fálicas. no final das contas, nós, ignorantes a priori e a posteriori, enxergamos Filosofia, Psicanálise e qualquer coisa que demanda anos de estudo e talento perceptivo, como Economia. você não entende nada daquilo mas sabe que deve servir pra alguma coisa num âmbito maior. tanto faz Aristóteles ou taxa de juros Selic, aquilo que o especialista falou está falado. o que nos resta é, apenas em público, mexer a cabeça de forma desapontada, como se estivéssemos inconformados com o aumento do superávit primário ou a abordagem da razão segundo Kant. o grande Outro ainda é o próximo adversário no campeonato; luta de classes deve ser algo ligado a geral e a numerada; e déficit é quando alguém é expulso.
ignorante e contente. um estilo de vida infalível.

poetas e os que escrevem

nunca entendi bem a diferença entre poema e poesia. para mim são questões para além.
a impressão que eu tenho é que o poeta vê as palavras em três dimensões. a gente apenas lê. e vê altura e largura. o poeta atravessa. lê altura, largura, diâmetros, dimensões, profundidade, e sente e se intimida, e pesa. e troca elas do lugar. e mexe com seus significados. e troca a gente de lugar também. ele consegue se aproximar do amor, se distanciar do amor ou ficar ao lado dele. o amor pode ser um empecilho ou um apoio. a gente não, a gente só lê amor e torce pra senti-lo. o poeta perpassa pelas palavras, escala as palavras, arrasta elas, engoli e às vezes até rouba algumas. o poeta pode roubar à vontade. às vezes pega uma e outra e forma uma nova. ele derruba, atira, descasca. descasca um monte de palavras. um significado atrás do outro. em escala, em progressão, em matrioskas.
a gente observa atônito. o poeta opera a palavra, construindo, demolindo, cimentando. um tipo raro de acesso. o poeta é transgressor porque olha a autoridade de cima. bem de cima. visto do alto a autoridade parece pequena, ilegível. a gente lê autoridade e respeita autoridade. de cima não dá pra ler autoridade, dá pra ver manchas. e o poeta é meio gestalt. escreve por manchas, ignora elas, inventa novas manchas de semântica. o que fica é inteiramente novo. a justaposição de palavras, justa porque legítima, entoa uma nova possibilidade. é disso que se trata seu poema, uma espécie de fisioterapia na gramática: ela recupera e amplia suas possibilidades. de perto pequeno parece tão grande. o poeta que me contou. eu ainda vejo pequeno. léxico. nexo. lógica. essas o poeta deixou pra trás. projetou-se no inflável, subiu e já avista adiante novas construções. não dá pra acompanhar o poeta. a leitura de cada palavra do texto consome meu tempo. ele lê tudo de uma vez, por impulso, por osmose. e dispensa cedilhas, acentos e acessórios desnecessários. e faz questão de todos eles.
de uma tacada só. numa só pulsão ele extravasa aquilo. e cria.
a poesia é mais que vestígio de um dom, é uma forma autônoma de ser e estar. e aí mora meu ledo engano de não-poeta:

CUIDADO

A poesia não se entrega a quem a define.

foi o Mario Quintana quem disse.
por isso existem os que são poetas e por isso existem os que escrevem. Neruda já dizia que "é tão difícil as pessoas razoáveis se tornarem poetas, quanto os poetas se tornarem razoáveis". resignado, me pinto de verde e me atiro no mato.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

café, pastel, melancia

à base de café, tingindo a alvura dos meus tenros dentes mansos, leio um livro de perguntas do Neruda e faço uma anotação mental: fazer poemas de amor.
paca, tatu, cotia, não.
começo terrivelmente mal. rimas e habilidades soberbas me confundem e me distraem. assobio uma velha canção inspiradora. tão velha que fui eu que inventei, como tudo a minha volta. infelizmente, tudo ao meu redor ainda não é tudo a minha volta. e pra tudo que já fiz não ganhei meus royalties, meus reais, nem meus dólares, Dolores, nem meus dólares.
anotação mental dois: conseguir um advogado.
advogados com certeza não entendem de poesia, a não ser Castro Alves, este sim não entendia patavinas de pontaria, e com um tiro no pé, talhou aquilo que poderia ser outro, como tudo que poderia ser outro caso não fosse. nenhum substantivo rima com doce, antes fosse fosso que rima com moço. entre alvoroço de rimas pobres, primas pobres, primas nobres, e, uma família comprida e economicamente desequilibrada, volto ao tabuleiro.
uma balzaquiana me liga e incomoda muita gente. duas balzaquianas me ligam, e vocês sabem, incomodam muito mais. antes do lenço, do sorvete e da auto-afirmação de independência com todas aquelas parcelas do carro quitadas, a terceira balzaquiana aparece, contrariando estatísticas, com uma gama de cervejas platinas de nomes bonitos, mas são fabricadas pelas mesmas nossas (jamais nossas) empresas. eu bebo a bela cerveza do lado de lá, feita pelos lados daqui, enquanto meus pés acompanham o ritmo sincopado do violão ausente, presente em minha memória, presente da minha vó quando era pequeno, que eu nunca soube tocar, não pára de tocar e irradiar alegria pelos meus tendões. tenho uma porção deles espalhados pelo corpo.
entre trejeitos esquisitos, rico espanhol que deus-me-deu, segue meu trajeto. tenho fraqueza com pendências e tendência ao dengo pleno. amém meu São Cristóvão, amém.
isso é poesia pura, limão e goela abaixo!
mais uma dose ególatra e já sinto o cheiro de esquizofrenia no ar.
oh, por favor, Dolores, eu nasci debaixo da lona do circo. tiro de letra qualquer coisa colorida e saltitante. inclusive insurreições no jardim de infância. anotação mental três: conseguir uma babá, convidar Dolores pra sair. sem dó, sem dó.
não vou devolver o Neruda que eu tomei e que você tomou também.
tomei um Neruda, litros de Neruda, misturei com uma Pessoa fermentada, e foi demais para o meu estômago à base de yakult. embriagado e torpe, regurgitei as mais lindas rimas de amor no colo de Dolores.
Dolores: te amo mais que pastel de feira!
anotação mental trinta e três: comprar um cavalo branco. com mp3 player.
faço uma drenagem linfática na melancia. na base da faca. expurgo suas pedras no rim na base do cuspe. na base, uma porção de sementes. pensei em fazer um colar e dar pra Dolores, mas os passarinhos foram mais rápidos.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Nietzsche, Deus e a Roda

Nietzsche dizia que nós, seres humanos, buscamos sentido para tudo. brilhantemente escreveu que preferimos querer o nada, a nada querer. inventamos Deus para dar sentido às coisas.
Nietzsche é frequentemente mal-interpretado, por isso me abstenho de culpa por escrever algo equivocado sobre ele. eu costumo interpretar as coisas equivocadamente porque tenho dificuldade em entender o mundo. isso explica meus pouco colegas no primário, entre eles um vaso de planta, mas isso é uma outra história.
o que importa é que Deus, sendo inventado, desbancou a Roda como principal invenção da humanidade. tá certo que a Roda não causou tantas guerras quanto Ele, mas ela também permitiu uma locomoção maior das bigornas para a frente de batalha.
Deus é fundamental para sintomas de solidão. mesmo quando se mora numa cidade extremamente populosa, cheia de pessoas e barulho, é comum o sentimento de ser e estar sozinho, o que impulsiona vontades suicidas. para isso Deus ajuda (pra combater o sentimento de solidão, não as vontades suicidas). funciona quando você pensa que não está sozinho e que sua vida, por mais pacata, triste e inútil que pareça, na verdade tem um sentido e Deus tem um missão pra ti. daí, após inventar Deus, nós, seres humanos, criaturas de aptidão para invenções, inventamos uma missão. e tentamos segui-la. auto-ajuda busca mais ou menos esse princípio. ela te proporciona uma missão bem facinha. auto-ajuda é uma missão café-com-leite para a vida. ninguém perde. nem o leitor, nem o escritor, muito menos a editora. auto-ajuda, Deus e invenções são algo muito antigo. gritos de guerra é uma espécie de auto-ajuda. dos machões.
é bem simples e direto. somos bons, eles são ruins, portanto vamos acabar com eles. mas isso de um modo mais agressivo, recheado de palavrões. eu jogo num time que é assim. antes de cada jogo, nos reunimos e gritamos. e ai de quem discordar. é enxutado a ponta pés e safanão no pé da orelha.
grito de guerra é uma espécie de auto-ajuda coletiva, assim como religiões. times de futebol não substituem religiões, mas funcionam como genérico. assim como auto-ajuda, há religiões que propõe missões bem fáceis, como doar e orar. outras religiões impõe condições desagradáveis, como auto-explosões e mortes. dizem que Deus está por trás de tudo. a Roda continua correndo por fora, levando carros, pousando aviões e animando a criançada na sua versão gigante.
Nietzsche provavelmente gostava mais da Roda do que de Deus. Nietzsche não tinha religião nem time de futebol. tinha um bigode. times de futebol correm atrás de uma bola que é uma espécie de Roda só que mais plena. Deus é pleno, mas não inventou nem a Roda, nem a bola, e dizem as más línguas, nem Nietzsche. Nietzsche tinha um pai e uma mãe. Deus é órfão, coitado. Nietzsche tinha uma doença crônica. morreu cedo e avariado da cabeça. apesar do bigode, Nietzsche tinha uma auto-estima elevada. Deus é o ser mais elevado que tem. a Roda ainda ajuda a elevar as coisas.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

um desmanche

percebi que me tornaria novamente solteiro quando ela começou a escutar 'hey jude' cinco vezes ao dia.
ela chorou,
falou sobre o futuro dela, da minha impassividade,
citou as vontades dela, do meu estilo incólume,
cantou suas qualidades, do seu lado artístico,
intimou contra meus defeitos, citou alguém que não me recordo
e correu pro banheiro.
dormi.
fim.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

tratado sobre a insônia - parte I

côncavo. convexo. em vão, me proponho a condições inusitadas na cama. o sono é o pior dos meus aliados. aliás, sempre atrasado, displicente e com tendências à insubordinação no meio da madrugada. estou quase pra me livrar deste fardo. como mulher de malandro, me deixa aqui esperando, tarde da noite. por onde ele anda à essa hora que deveria estar aqui?
de manhã, de ressaca, ele aparece, me enganando, pegajoso, cansativo...
mau caráter, meu sono é do tipo inconveniente.
quando estou no cinema concentrado, ele pede atenção.
quando me despeço e vou ao trabalho, me persegue.
agiota, vingativo, me arrebata com juros depois do almoço.
a última vez que nos desfizemos, foi quando apareceu aquela moça doce de sorriso fácil. meu sono aos poucos foi me evitando, percebendo que não podia dar atenção a ele enquanto pensasse nela.
mas isso é passado. hoje eu conto com ele pro dia de amanhã. eu sei que não vou longe sem ele.
a ausência do meu sono me perturba, me adoece. e as pessoas já reparam no nosso desquite.
apontam no meu rosto, no meu cabelo, no meu entusiasmo.
diziam que nossos hábitos eram incompatíveis. ele tinha repulsa ao meu café preto.
hoje, prostrado, eu decoro cada vicissitude do teto.
fecho os olhos, tento apenas esquecer, e já posso escutar seus passos trôpegos se aproximando.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

epifania, conta-gotas e outras coisas da vovó

minha lucidez dura até o despertador tocar, silenciar, tocar de novo, levar um tapa, tocar de novo, ser abafado, corrompido, e fielmente, insurgir a tocar de novo. de pé, eu sento. me desperto num processo doloroso, questionador, julgador, inconformado, perdedor, despeço do meu cliente horizontal, macio e quentinho, acato às ordens do meu juiz consciencial e me dirijo ao chuveiro. sem apelação.
minha lucidez é um sonho. lúdico. como tudo em minha casa. durmo numa caixa onde a tampa tem uma abertura com a minha forma, só permitindo entrar com a minha silhueta. o triângulo e o quadrado que fiquem com suas respectivas entradas.
acordo e volto a dormir. volto a dormir acordado. estou sempre dormindo acordado, e mantenho-me acordado dormindo. pra saber das novidades.
me levantei. me escovei, penteei, me vesti, ajeitei o cabelo, a escova, o pente, o pé direito alinhado. nunca coloquei todo amarelo junto. o vermelho também, sempre se mistura com o azul. sempre. cubos mágicos se tornam um inferno quando se é daltônico. por isso não dirijo. não permitem. na verdade eu sou piloto nato. de um zepelin, mas só dentro de casa, e aos fim-de-semana, claro. lúdico e pudico.
evito televisões e qualquer dispositivo eletrônico colorido que se mexa. transformei a televisão num aquário. deu tão certo que abri uma sucursal no microondas e na máquina de lavar.
mexerica, tangerina e bergamota, é um caso típico e relapso de esquizofrenia frugal. tratei do caso dela no café-da-manhã. a barba já está bem-feita. a barba está tão bem-feita que admiro-a no espelho. a barba está bem-feita demais. orgulho do papai. a barba bem-feita foi elogiada e pendurada na parede. como um quadro com vidro. na parede da mesa de jantar. a mesa de jantar dá pra sala. a sala dá pra cozinha. a cozinha dá pro quintal. o quintal tem um cais e um apito de navio ensurdecedor. a cama continua lá. me esperando. ela jogas as tranças, me penduro, sorrio pra minha encerada, embalsamada, mumificada (de modo esplêndido e perpétuo) barba-bem-feita. ela sorri de volta. cordial. deitado já não posso dormir. espero a visita do meu avô em vão. com todo o barulho aqui dentro ainda faz silêncio aqui fora. abro meu livro auto-biográfico e ilustrado na página trinta e três. a legenda estava lá esperando meu desenho. "sou um poço de profundidade intelectual rasa, uma unanimidade em algo que ainda está pra ser descoberto. este lado para cima aponta para todos os lados." fecho o livro e evito o marca-página dessa vez. coloco no calço falho do pé da mesa. derrubo os talheres e acordo meu deus. a chuva lá fora avança pra aqui dentro. começa na escada, me dá um chapéu e sai pelo ralo do banheiro. sem carona até a porta verifico a margem, confiro os parâmetros necessários, e retumbante me prontifico a utilizar. a partir de um cinto de utilidades dos meus verbos que eu levo mas não me leva a nada. eles apenas. um tipo raro de sujeito. de fato. um tipo raro de sujeito prescindido de predicado. um sujeito autônomo. ele dança sozinho na sala, observado pelos peixes, escorado no zepelin. a música é clara e singela, não tenha medo que nada é pior do que tudo.
penso no nome do meu próximo sobrinho. queria batizá-lo utilizando meus verbos. seu nome será aposto. e se for menina? ela se chamará.
enquanto devaneio, me dirijo do banco do passageiro para cama. o beijo de boa-noite nunca falha. faço um sinal da cruz , bato palmas e todas as luzes se apagam.
(meu broche do Fellini continua aceso, mas isso é um segredo nosso).

segunda-feira, 5 de maio de 2008

com a licença de uma pergunta besta

dentro das possibilidades vigentes, não cabe a mim, réles mortal honoris causa, disseminar, proferir e emancipar assuntos de importância relevante. não a mim. deixo os assunto importantes aos grandes homens com seus grandes intelectos e grande prestígio, e queira deus, pinto pequeno, que é o que eles merecem. enfim. me contento com as pequenas dúvidas da vida, aquelas que duram até a próxima partida de Paciência, Freecel, ou, se você anda espertinho, Campo Minado. entre um suspiro profundo e um olhar semi-cerrado, trago à luz uma questão que sempre me incomodou. não que eu seja um ás de probabilidade, logística, ou qualquer outro método que não utilize lápis de cor e que serve pra medir tua capacidade de ser inteligente. mas arrisco-me a palpitar sobre o tema. baseado naquela premissa de que "um raio não cai duas vezes no mesmo lugar" (longe de ter alguma relação com aquela outra de "um mesmo homem não entra duas vezes no mesmo rio") fica no ar uma coisa que eu não entendo: já repararam que lotérica, quando tem um vencedor que apostou naquele estabelecimento, coloca em seguida um banner, com letras garrafais, escrito algo do tipo "mega sena ganhador saiu daqui!"? na minha cabeça, a chance de sair um vencedor da mega sena, uma aposta nacional, novamente naquela mesma lotérica são ínfimas. a tendência é sair vencedores em outras casas de aposta. ou seja, é impressão minha ou eles estão matematicamente amaldiçoando o local?
Isso me leva a conclusão de que, a sorte, dentro da sua imprevisibilidade ontológica, ao contrário do que dizem nossos contemporâneos experts em qualquer coisa, continua sendo o valor intangível mais importante de, pelo menos, um determinado tipo de empresa, desbancando assim o famoso branding e seus tentáculos invisíveis.
toma essa Naomi Klein!

quarta-feira, 16 de abril de 2008

um óculos sujo e um olhar de peixe morto

deixei de ser existencialista quando percebi que a conta do bar estava terminando corriqueiramente em três dígitos. existencialismo numa hora dessas? desemprego, violência, grandes conglomerados se tornando megas conglomerados, minimizando tua existência a possibilidade de se diferenciar socialmente optando entre a marca A e B, mesmo que ambas pertençam ao mesmo dono. existencialismo? deixa pra lá. reduz o teu questionar do sentido e do propósito disso tudo quando o teu time for rebaixado pra segunda divisão e ainda por cima propõe um terceiro uniforme constrangedor. daí sim, pense no sentido de sofrer por aquilo, das gozações alheias, pense nas horas em que você poderia estar dormindo ou vendo algum filme. existencialismo é bom aplicar no futebol, não na vida. aliás, nunca fui um existencialista convicto. nem deu tempo. primeiro porque insisto em acreditar em deus -- e é bom que Ele exista pro próprio bem dEle --, segundo porque uma vez cometi o ledo engano de passar por inteligente, e tentei ler um livro do Sartre, que se não me falha a memória, era ainda da fase do jovem Sartre (ah, esses jovens prodígios de vocabulário rico e raro). precisei apenas de dez minutos, coisa assim de chegar até a segunda página da introdução, pra ficar estupefato com a incompreensibilidade de um texto, que de alguma maneira foi argumentado com palavras que isoladamente você até compreende, mas que foram justapostas de uma forma que significam algo para além do teu intelecto.
achava que para ser existencialista bastava aquele meu óculos sujo e um olhar de peixe morto. não contava com a parte do conteúdo. fechei o livro e conformado me alojei no sofá, procurando alguma reprise do Seinfield. agora, em caso de existencialismo conveniente, extravaso minha aflição com meu par de allstar-blasé limited edition, cor de burro quando foge.

domingo, 6 de abril de 2008

tratado sobre o fracasso, parte I

fracasso. provavelmente do italiano, fracazo, significa, basicamente perder com desonras.
provavelmente do italiano, assim como eu, o fracasso andou me fazendo uma visitinha nos últimos tempos. coincidentemente, no mesmo momento em que minha auto-estima foi comprar cigarros e nunca mais voltou, o fracasso resolveu se assentar no entorno. como minha mãe me deu educação, eu o convidei para um café e um bolo de fubá. fracasso do tipo espaçoso, sentou no sofá, tirou a meia, e esticou suas largas pernas sobre a mesa de centro, derrubando a revista do mês, e dizendo que está pensando em ficar.
o fracasso costuma dizimar nossa possibilidade de satisfação e felicidade, portanto, para lidar com esta situação é importante você evitar pessoas de sucesso. não que isso implique em você ficar sozinho. até porque, uma pessoa que só conhece gente de sucesso não pode ser tão fracassada assim. portanto, reveja sua lista de amizades, e comece a selecionar aqueles que, por algum motivo (os quais você suspeita pela aparência ou pelo tom de voz com que os seus pais o reprimem) aparentam ser fracassados. mas pega leve, porque precisa haver uma adaptação. não pode querer entrar pro clube dos altamente fracassados assim, de bate-pronto. até porque, faz parte do fracasso não ser bem aceito em algum meio. agora, quando você identificar uma pessoa bastante fracassada, repare se esta mesma não extrapolou no quesito fracasso e passou pro quesito "seres humanos com seus valores de mortais não representam nada pra mim". veja bem, enquanto fracassado, minimamente você está reconhecendo os valores que permeiam nosso cotidiano, pelo menos, ocidental. banho, escovar os dentes, e hábitos ligados à higiene ainda não devem ser dispensados. é para você começar a andar com pessoas completamente deprimidas, não mendigos.
outra coisa que ajuda é abandonar a televisão, a não ser que você tenha tv a cabo que pega aquele canal de desenho. esse tá liberado. o resto, canais com aquelas garotas loiras de sorrisos candidamente brancos, evite ao máximo. até sessão da tarde. nada de final feliz, nada de jovens bem sucedidos que abraçam a gata no final. isso acabará contigo. se é pra sofrer com o que você não irá possuir, fique com aquela centrífuga esplêndida que não faz barulho e suporta até dois terços de uma melancia, mas que custa um gurgel, todo dia exibido numa simulação ginasial no polishop. também estão liberados aqueles leilão de jóias e bijuterias bregamente à la hebe camargo, que não apenas seria uma ofensa presentear alguém com aqueles colares, como aqueles brincos provavelmente arrumaria encrenca com o prefeito e aquele lei de poluição visual.
no caso de fracasso iminente seguido de bebedeira, primeiramente, beba bastante água, daí sim, hidratado, comece a beber. isso vai garantir beber por mais tempo. e, olha só, você não tem dinheiro pra conta! o que é um peido pra quem está na merda, já dizia meu amigo imaginário projetado pelos remédios que eu tomo pra dormir. esquece a conta, mete no cartão, de débito, de crédito, de alguém. faz parte do fracasso se esculhambar financeiramente, e, por isso mesmo, gastar mais.
olha, o fracasso é tipo furúnculo: começa do nada, coça, incha, arde, fica insuportável, explode.
daí quando você pensa que passou, vem outro em seguida. sem contar o constrangimento.
o fracasso não é culpa sua, mesmo que você tenha certeza (e com razão) de que é.
mas tente pensar que é culpa dos outros. quando você veio à Terra o mundo já era desse jeito, com essas regras aí, que definitivamente não te consultaram para criar.
ou seja, se você se identifica com um chimpanzé quando tenta entender as regras de críquete, beisebol, golfe, ou qualquer esporte que use um taco e dialetos do norte, é também plausível fracassar dentro da perspectiva de valores que você não sabe da onde tiraram...
ora, número 1, primeiro lugar, mulheres bonitas, empregos interessantes e coisas que costumam fazer inveja, não são simples. não são fáceis de conseguir, por isso valorizam.
requer aquela coisa, rara e mal distribuída chamada talento.
e se fracasso fosse um valor, provavelmente você também seria uma talentoso. e provavelmente também, nesta sociedade talentosos não seriam interessantes.
enfim, não se mate porque você é um fracasso, porque, se por acaso você não conseguir se matar, você morrerá de vergonha e frustração, e como sabemos, vergonha e frustração ainda não matam, apenas tornam a vida mais complicada e constrangedora.
o fracasso, de alguma forma, está ligado a uma triste capacidade de ser e estar limitado. pense o limitado como "conciso". e pense o "conciso" como "econômico". daí para o "sustentável" é um pulo. seja fracassado e faça bem para o meio-ambiente. afinal, somos todos biodegradáveis.
um brinde!

domingo, 30 de março de 2008

pescoço, destino e capitalismo

uma vez fui num samba e vi uma garota linda. alta, esguia, tinha um pescoço... flertei à moda antiga (no fundo sou um rapaz caipira, tímido e resignado). ela olhou de volta e foi apenas isso. rezei três aves marias e dois pais nosso pra encontrar com ela no samba de novo. não encontrei. em compensação, um tempo depois a vi numa outra balada. foi mais ou menos a mesma coisa de antes. mais foi ficando emocionante, pra tipos como eu, que gostam dessas coisas meio platônicas meio muzzarela. eis que minhas preces são mais que ouvidas e eu topo com a dita cuja no mesmo espaço acadêmico. mas então, comos os ventos que fazm curvas em lugares distantes, fui me envolvendo por outros jardins, colhendo outras flores que esse mundo brota pra perfumar nossa vida, e fui deixando minha musa de flerte de lado. até que, depois de meses e um honesto tempo suficiente pra se esquecer o que pode ser esquecido, eu topo com ela, sua beleza e seu pescoço, novamente, numa baladinha de possíveis amigos em comum.
sabe, eu comecei a achar que era coisa do Destino, essa coisa da gente se encontrar, como se tivesse, no fundo, uma finalidade romântica pra essas casualidades.
mas daí, eu pensei, juntei as peças do nosso histórico de topadas sociais e reparei que, na verdade, isso não é coisa do Destino, é a renda que é mal distribuída.
o capitalismo e a sociedade de classes acaba com o romantismo das coisas.

segunda-feira, 17 de março de 2008

sucrilho e estricnina

sempre achei domingos à noite bem mais desestimulantes que segundas-feiras. eu nem gosto muito de trabalhar, mas tento enxergar na segunda-feira uma possibilidade constante de recomeço, quase com otimismo. eu juro que não ando frequentando sessões de auto-ajuda, nem tenho um Paulo Coelho frequentando a cabeceira da minha cama. aliás, diga-se de passagem, nem o Paulo Coelho, nem nada que tenha nascido xy frequenta a cabeceira ou qualquer outra extremidade da minha cama (acuados nos dias de hoje, os heteros estão fadados a auto-afirmação. espero que nenhum psicólogo me contradiga para não me constranger). voltando, acontece que segundas-feiras são inevitáveis como o sarampo, catapora, e coisas que passam pela nossa vida com aquela certeza de que não matou e portanto engordou. claro, eu não acordo cada segunda-feira pessando assim. principalmente segundas-feiras chuvosas. daí é provocação do Grande Irmão. não bastasse o sistema te obrigar a trabalhar, impor cinco dias de labuta contra dois de descanso, ele ainda faz chover pra ver o quão disciplinado você consegue ser. eu mesmo já fiz um pacto com a CET, e a cada segunda-feira chuvosa e, portanto, plenamente desnecessária, eu sou guinchado da cama ao chuveiro. senão não há outra forma. o problema de dias chuvosos quando se é um pedestre irredutível é que o fato da minha cabeça estar seca e protegida pelo guarda-chuva não minimiza em nada minha irritação por estar com os pés encharcados. precisei de cinco minutos até o ponto pra me convencer de chegar ao trabalho e jogar fora as minhas meias. precisei chegar ao trabalho pra ter certeza que já estava calçando um par de aquário. não tenho nada a comentar sobre frieiras e a provável lectospirose paulistana impregnada no meu já abatido pé. também não vou comentar sobre o moço que me vendeu um tênis que era pra ser impermeável.
segundas-feiras chuvosas são prevenidas logo no café-da-manhã com sucrilhos e estrecnina. mas sem abusar do açúcar, que faz mal.