segunda-feira, 30 de junho de 2008

Festa Junina

a todos meus antepassados da roça, de onde eu vim:
junino é um menino festeiro. rojões assustam os cachorros. a fogueira esquenta e afugenta os maus espíritos. queimou o meu amor. meu bigode é ralo mas apropriado. minha bota rota é suja na sola.
meu remendo colorido, lembra Volpi no céu. meu dente preto representa ausência e não feijão.
o caipira, sua moda de viola, o gênero musical mais existencialista. a vida no campo, sozinho, rodeado de vida. pensativo, contempla e canta. a vida no campo, remendo no bolso, caldinho de feijão. feijão tropeiro, arroz carreteiro. chapéu de palha e boa educação:
- dia!
- dia, cumpadi.
a paçoca é a coisa mais linda que existe. quadrada, rolha, espatifada, despedaçada. doce. o balão vai subindo. o pé-de-moleque... o amendoim é a matriz da felicidade. tem o milho. o milharal. a pamonha. tem os cavalos, e a cavalgada. as moças tão bonitas, são cortejadas. eu cortejo todas elas. engasgo com a paçoca. às vezes quando como rápido.
o caipira tem uma filosofia que é a base de suspiro. suspiro e contemplação. tem a fogueira. a gente pula. tem a ciranda. tem os amigos e o bilhetinho do amor.
angu. broa. quentão. tem o povo na praça central. conversa fiada. fiada e gostosa.
o sotaque é um deleite. doce de leite. Chico Bento.
toda cortesia é por conta da casa. referência aos santos. ao sacro. referência a Nossa Senhora de Aparecida. minha Nossa Senhora rogai por todos nós, amém. tem as romarias. a procissão.
junino é um menino esperto e festeiro. pula fogueira e solta balão. as bandeirinhas coloridas são fáceis de fazer e presas em barbante.
cultura do dengo.
e mais um punhado de não sei-mais-o-quê.
a roça é plena de tudo aquilo que um faz um bem danado.
a comida. as pessoas. a música.
retiro meu chapéu no instante em que elas passam.
sorrio, cumprimento.
meu cavalo se chama Pangaré. gosto tanto dele que não chego nem a montar no bicho. mas ando ao seu lado, em pé. e levo pra tudo quanto é canto.
a gente pesca e confere o pôr-do-sol. todo dia, pra ter certeza que as coisas são o que são e existirão do modo que devem ser. estar é um ser momentâneo que a gente gosta de perpetuar.
se está bem, está bom.
o Pangaré dorme de pé, nem precisa deitar.
bicho esperto demais.
o caipira é muito romântico. é congênito. oriundo de tudo aquilo que faz muitos sentido. sentido é de sentir. sou devoto de todos os caipiras.
Seu Antônio, Seu Pedro. ô Seu João. obrigado por tudo.

sexta-feira, 27 de junho de 2008

hoje é o dia internacional da poesia incontida, impossível a caminho de se realizar, ninguém pode, mas pode espiar e sem prescrição de qualidade!
viva!

meu amor
eu te amo
eu te amo
mais
até que
aquele biscoito de goiaba enroladinho
na embalagem antiga e vermelha
que vende no supermercado

meu amor passional é constante mas displicente e disperso.
amo de tudo um pouco, amo até dormir dormindo.

te amo e rimo
sem graça
na marra
amasso
e passo
adiante
adiante só tem você
ui!
hahaha
te amo mesmo, é sério
tudo que tenho é o amor
escondido e tímido
mas dá uma chancezinha pra ele
explode
bum!
caio duro no chão
ligo para os meus pais chamarem uma ambulância
não sem antes perguntar quanto foi o jogo do Corinthians
isso sim vai ser decisivo na minha recuperação
sou muito sensível

mãe, quer um presente bem bonito?
"vai,
boiadeiro que a tarde já vem
leva o teu gado e vai pensando no teu bem."

dedicado a todos aqueles que acreditam na livre emancipação de rimas, não-rimas, de ficção ou não-ficção, indefinível como a própria estrutura, e assim só, declarar:
hoje (mas pode ser amanhã e o sempre) dia internacional, quiçá universal, dos poetas desenganados, torpes, esquecidos em seus cotidianos chatos quadrados patos pra burro, entediantes porque previsíveis.
ao contrário do meu final.
fim.

aliás, em sua qualidade de voltar atrás, aliás essa é a sua única função, e não importa quantas funções você tenha desde que faça bem. aliás, conheço uma palavra que faz muito bem isso: aliás.
se tum-tum-tum e de repente, plaft, escorregadio e bem lentamente. te acudo. posso? com licença então, pré-escrevo lá no aliás, e espero que tu sigas fiel, meu filho: que se quando rima, então meu amigo, alforria! viva!

aqui me despeço e volto pra casa
aqui me desfaço e volto pra roça
aqui desenrosco e me esqueço na praça
assim, sem graça, desmancho uma poça

preposição: a

curioso como algumas pessoas são teimosas e aquela sensação de que você está sabotando a você mesmo e aquela pergunta impossível, por que você faz isso contigo? quem ganha? você não ganha. e eu me pego olhando e fustigando e indo atrás e eu sei o quanto custa isso e o que pode ocorrer em seguida. cabeças baixas, coração mole e todo aquele tormento. chega de tormento de saudade de passado e de ver isso. esquece, desliga, volto atrás, faz de novo, começa outras coisas e pelo amor de deus, larga a mão. é tudo de uma tacada só e te toma pela garganta desce arranhando e seus pensamento engaiolado numa sina e rebate, rebate e volta, e pinica e cutuca e você lá estirado no chão, cansado de bater a cabeça na parede se perguntando pela enésima vez, por quê? por que meu deusinho, por que de novo, por que eu, por que dese forma? tem jeito? não tem jeito, niguém ganha. eu não ganho. você ganha? eu não ganha jamais, você tem razão, você tem toda razão, agora eu percebo como você só agora pode ser tão absolutamente correto e perspicaz. você não ganha, eu não ganho, você não ganha mesmo idiota, sem ofensas agora, não ganha, porque você ainda que insista o contrário sou eu, e somos nós todos nós e só quando todos nós incluindo eles percebemos o quanto todo e quanto nós nós mesmo ao todo somos, aí sim as coisas serão diferentes. e enquanto você for apenas uma parte e o todo se compromete com o zumbido, o zunido, o tilintar, e toda forma de expressão que atormente, atordoe, desmonte e que decline aquilo que ainda nem progride. mas chora. chora demais. claro que ninguém vê e jamais verão, jamais, você não vê e muito menos eu, longe de mim. não quero ver nada. quero ver quem vai ver mais do que eu. eu vejo lá no fundo. tudo é transparente e eu só eu sei o significado das coisas. prontifico e me retiro. chega de ver novamente, chega de analisar, pesar, quantificar, avaliar, comparar, medir, posicionar, alinhar, delimitar, testar, testar novamente, indagar, cumprir, referenciar, imobilizar, soltar, imobilizar novamente, despencar, atirar, resgatar, revolver, receber, renomear, relativizar, relativizar sempre, sempre que pode, alçar ao longe e eterno o sempre.
cair.
para todos aqueles que ainda.
para tudo. pára um momento, respiração profunda, ao âmago. esquisito.
está muito estranho agora.
atenção. acende, apaga. clap. claro, escuro. clap. acende, apaga. clpa. claro, escuro. clap. claro escuro acende apaga clap claro escuro acende apaga claro clap.
esquece. deixa pra lá.
já vou dormir mesmo.
respira fundo novamente, respirar faz um bem danando quando se está apto para. pronto para. adequadamente preparado para. recombolicamente entusiamado para. todas as formas intransitivas indiretas de ser e estar e qualquer.
e começa tudo de novo, Maria, tudo de novo... a primeira nota maestro: dó. suspender! dominar, reter, soltar, procurar, buscar jamais encontrar, encontrar tudo, agora, voltar jogar pra cima debulhar desenhar deter fustigar mexer amedrontar amealhar nada jamais amealhar tornar novamente o que significa retornar e pensar tudo de novo pensando daquela forma que mede que pesa que analisa que retoma que não satisfaz que jamais quer satisfazer que não vai parar enquanto não olhar e encontrar aquilo e perceber que o todo ao redor redondamente enganado estava eu todo esse tempo e não tenho tempo nem pra me arrepender enquanto penso nisso e aquilo e retomo e quantifico e tiro qualquer saldo e ponho no bolso e me dirijo a.
silêncio.
por favor.
preposição.
agora.

"senhoras e senhores, aos vencedores, todos os meus mais sinceros e retumbantes aplausos."
clap, clap, clap, clap.

ainda há tempo. na manga, sempre. na mente e no coração. tudo que faz bem, se guarda na mente e no coração. e mente pode ser espírito se você quiser. há tempo de rever e revisitar. sempre há tempo de revisitar Lisboa. hmmm-hmmm. (em voz alte de pé. tambores).

Não: Não quero nada.
Já disse que não quero nada.
Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer. Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral! Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) —
Das ciências, das artes, da civilização moderna! Que mal fiz eu aos deuses todos?
Se têm a verdade, guardem-na!

Fernando Pessoa.

sábado, 21 de junho de 2008

banco

gosto de falar de Deus porque não é mais profano e não precisa pagar royalties. Deus não cobra juros. bancos cobram juros. muito. bancos são poderosos como deuses. criam e descriam. cobram e dobram. bancos são poderosos como deuses e são a encarnação do capeta. cobram e dobram. não gosto de falar de bancos porque vivo endividado. agora, gosto de falar de Deus porque faço um monte de promessa e não tem problema não cumprir nenhum delas. o cheque especial divino é indulgente. misericordioso. prodigioso. eterno. rezo e faço uma lista de pedidos e agradeço. agradeço sempre. agora, quando entro num banco eu já rogo uma praga. praguejo. praguejo até ficar rouco. maldito sejam todos os banqueiros. com suas fortunas e mania mégalo de ficarem mais afortunados ainda. banqueiros são diferentes de bancários. bancários são meus amigos. fazem a barba diariamente e tem o cabelo de reco do exército. exército é uma espécie de escoteiros com cara de mau. exército ajudam velhinhas a atravessar a rua na marra. te alistam, te pesam, te testam infantilmente com abelhas, colméias e uma conexão a lápis comidos. banco te testa com intimações constrangedoras. já meu amigo Deus não testa ninguém. aberto vinte e quatro horas por dia, encontra-se dividido entre os mais diversos templos. já meu banco não tem caixa vinte e quatro horas no interior, por exemplo. religião e contas bancárias não devem competir. nada deve competir. competição serve pra exaltar o talento de um e destalento de muitos. deixaremos por enquanto competições de lado. troféus, medalhas. pensaremos em bigornas, língua-de-sogra e jujuba. bancos têm balas no balcão. jamais jujubas. eles definitivamente não me conhecem, mas sabem exatamente onde gasto meu quase-dinheiro-meu-dinheiro-deles. bancos querem ser gentis enviando cartões de crédito de graça. cartões de crédito é a ruína do sujeito. é a mina de ouro dos bancos. os juros acabam com o cidadão. progressivo e retrógrado. dispenso gentilezas de bancos. fico apenas com os dez dias sem juros no cheque especial. eu não gosto de bancos. tampouco Deus gosta de bancos. Ele me disse. Deus gosta de dias ensolarados e amores recíprocos. bancos são frios, possuem portas giratórias que apitam, vendem produtos a juros, te colocam em filas e sempre que podem ficam mais ricos. antigamente juros era pecado. acabaram com essa idéia. juros, agora, é dever dominical, infalível, reajustável sempre que possível. agora, cancelar contas no banco, sim, é um pecado. e castigável. via crucis: ligar, conseguir uma informação correta de como fechar uma conta e ir até o banco cancelar, é digno de especial de Natal. o final não é bem feliz pelo desgaste de todo o processo. é um parto. você liga, uma mulher eletrônica te atende, você aperta um número, outra pessoa te atende e se apresenta tão rápido e automático que você não conseguiu traduzir o grunido. até dá uma certa sensação de culpa de não chamar a pessoa pelo nome, sensação que passa bem rápido quando você percebe que encarnou o protagonista de O Processo do Kafka via 0800. te transferem para mais dois ou três atendentes, que te transferem reciprocamente entre o pessoal do setor "transferências de chamada". bancos possuem 457 funcionários para transferências de ligações e zero funcionários para cancelar contas. aconteceu comigo. meu pedido de colar um post-it com meu nome sublinhando a frase "cancelar conta" e grudar no computador de qualquer gerente foi recusada. prático demais. depois de uma hora e 728 transferências (o sofá já tinha meu molde, preenchendo de gesso você teria a forma exata da minha bunda) conclui que, ou eles pensam que você é burro, ou eles não fazem a menor idéia do organograma de hierarquia da empresa, pois sempre cometem o mesmo equívoco de "transferir para o ramal correto" e, olha só que engraçado: musiquinha instrumental de gosto completamente duvidoso até para os padrões dos anos 80, atendente com seu bom dia ligeiro, e, deixa eu adivinhar, você vai me transferir pra pessoa certa?
- olha, é só cancelar a porra da conta (palavrões são filhos da impaciência com a incompetência), dá um delete aí na bosta da tela...
daí eles te chamam de senhor e pedem por favor pra você aguardar um minuto que eu serei transferido. eles acham que "por favor" e "senhor" são suficientes para qualquer tipo de abuso. "bom dia, senhor, por favor, posso te tratar como um idiota, passar a mão na bunda da sua namorada e dar uma festinha no seu apartamento esse finde? antecipo meu agradecimento pela compreensão." "ah, claro que pode moço, você é tão educado". chega um momento que já não existe argumento pra você não cancelar sua conta, a coisa se torna pessoal. você verifica se ainda possui aquela marreta na garagem e quais são as chances de chegar ileso até a embaixada mais próxima pra pedir asilo político depois de estraçalhar alguma agência do seu banco.
enfim, você é solicitado a pagar algumas dezenas de impostos e juros que vão surgindo na sua conta quando ela resolve fechar, e então você comemora a liberdade. que dura na verdade dois meses, até eles resolverem te mandar novamente um cartão de crédito no seu nome. tomei um negocinho que me fez repensar a idéia de descer, literalmente, goela abaixo do gerente, aquele cartão luminoso, atraente, como meu nome completo e aceitação internacional.
nunca li a Bíblia, mas sei que tem uma passagem que Jesus nega a tentação do Diabo. e pelo que eu me lembro a coisa termina aí. não, obrigado, e o Diabo se retira. banco é pior que o Diabo. não existe 'não' pra eles. só existe: vou angariar lucros exorbitantes cobrando juros mais exorbitantes ainda te ameaçando periodicamente com o Serasa e o SPC.
uma espécie de estelionato sofisticado. sofisticadíssimo. maldito sejam todos os diabos e seus hábitos de estelionatos sofisticados.

árvore peixe ruiva

brincar de esconde-esconde com as árvores é sem graça porque eu sempre ganho. elas se escondem atrás das mesmas árvores. elas nunca conseguem me achar.
não sou ateu, mas fui um teocida. matei Ele e enterrei no quintal junto de um peixinho que por infeliz precaução alimentei duas vezes no mesmo dia. será que Ele vai pro céu? agora é minha vez de ser deus. ninguém vai sentir falta Dele. ninguém sente falta de nada. ninguém tem tempo pra sentir falta de qualquer coisa. as pessoas constantemente sentem falta de alguma coisa. as pessoas correm apressadas e compram e comem e correm e reclamam e sonham e voltam a realidade e sujam e desperdiçam e pensam no futuro, que francamente, não existe. não adianta pensar numa coisa se ela não existe. até funciona, mas como exercício da imaginação, menos como prognóstico e perspectiva. o futuro é o constante-não-existível. enquanto não existir e enquanto constante, é o futuro. se o futuro existisse se chamaria presente. e se o presente fosse sinônimo de futuro, as pessoas andariam mais deprimidas. Deus não está morto, está distraído apenas. e se de repente Ele estiver morto, bom, não fui que matei. e se foi, foi sem querer.
árvores são melhores de subir do que brincar de pega-pega. Deus é um pai triste.
fiz um amuleto e saí com ela. depois saí com a outra do cabelo ruivo e bonito. ainda tive tempo de me encontrar com aquela da voz rouca. gracinha. não posso parar. me dei bem e agradeci ao amuleto. garotas bonitas e inteligentes são mais legais que subir em árvore e brincar de deus.
livros fazem você querer sair de casa, jornais não. plantei uma muda no quintal, junto do peixe e de Deus. quero que ela vire uma árvore. não tem absolutamente nada a ver com filhos e livros. tem a ver com árvore, tronco, folhas verdes, flores, passarinhos e assobios.
buzinas me dão sustos. enquanto eu não desço eu me distraio. aqui em cima estou perto de Deus, dos passarinhos e jamais ela me encontrará. daqui de cima vejo ela parada. enquanto isso penso na outra, na ruiva e na rouca. penso numa música e esqueço que está tarde e preciso descer.
adultos não brincam mais de esconde-esconde. adultos brincam de esconde-esconde o tempo todo, mas sem ninguém procurando, pois assim, a brincadeira nunca acabará.
só vou descer pra molhar minha muda no quintal. ainda bem que estou com meu amuleto.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

afagos e salsichas: um buraco

plá-plá-plá-plá, stiléquete, stiléquete, stiléquete, xapluift, xapluift, xapluift. izrblirlãg-lóflit.
atordoado entre rastejantes e asquerosas onomatopéias ininteligíveis, nosso sujeito, ainda um quase protagonista que dispensa apresentação, ditames e ditados, escapa de mais uma e sobrevive. uma pá. um quintal , um aterro. não pode esquecer do canudinho, claro. como um snork, não a onomatopéia. snork de mergulho. cava, cava, cava. rrrfucutachk fazia cavando e batendo a pá entre as lajotas da beira. sete palmos. hmmmm... mau presságio. cava mais então. rarruf, puf, rarruf, puf, a terra macia caía mais macia em cima da terra já cavada. oito palmos, dez! palmas. e agora, quem vai limpar essa sujeira? hein, capitão, quem vai limpar essa sujeira? o sujeito, agora capitão, necessariamente precisa de um auxiliar.
cachorros são bom auxiliares, obedientes e bonitinhos quando bebês. cachorros sabem enterrar. igual o do filme. enterrar, rebater e salvar o dia. meu tipo de cão. vai lá garotão. au-au, salsichas, e bem, vocês sabem como é fácil fazer o dia de um cão. salsichas e afagos. rabo pra lá, rabo pra cá, rabo pra lá, rabo pra cá. rabo para lá e para cá continuadamente.
o sujeito-capitão-adestrador-de-cachorros, agora enterrado erige (e herege, sempre) seu canudo de contato com o ar. oxigênio. vuuuu, vuuuuu. respiração parcial. cachorros parceiros. espaço sideral. aterro. quintal. buraco fundo. preguiça. sono. noite-dia, dia-noite. escuro. canudo. oxigênio. já passou um bom tempo. tempo suficiente. já passou. cachorro vivo. salsicha. au-au. cachorro cava. cava bem demais. desenterra o capitão! e agora, na inconfundível e contagiante excitação canina, vamos lá garotão, pule, e mexa seu rabinho, e sente, e pule, e finja-se de morto como eu fingi. viu? quem vai ganhar salsichas? quem vai ganhar salsichas? quem vai ganhar salsichas?
eu vou, eu vou.
snork imundo. roupa suja de terra. ninguém vai limpar essa bagunça. totó. totó do capitão. quer mais salsicha? pega, morde e arrasta um tapetão, bem grande, bem persa, bem preso. traz pra cá. muita sujeira debaixo. terra minhoca e um buraco. põe lá e ninguém viu.
qrrrr, qrrrr. esse tapete vai levar horas até chegar aqui. encomenda. faz um. trança. tear, essas coisas. vovó!
- alô, poderia falar com a minha vó? Dona Vovó é o nome dela. enrugado. não lembro, Senhor, já faz uns anos em que ela se foi. sei. era branco e ralinho. sorriso fácil e cansado. isso. não? por que não? quem é o seu superior? deixa eu falar com Ele. alô, Deus? oi. oi Deus, te amo. só isso. esquece minha vó, te amo Deus. amém.
Deus é extremamente persuasivo, extremamente. não é à toa que tem sucursal em todo planeta.
bom totó, esquece o tapete, esquece o buraco, esquece a vovó, o tear e aquele verão de pogobol, frescobol, anzol, bolinha coloridas e apressadas, mar, chuá, sereias e uma aposentadoria fictícia. esquece o chinelo. agora frieiras, botas e o meu título de capitão. por favor, não esqueça do meu título de capitão. titio vai voltar pro buraco.
cava, cava, cava, sploft, skléqueti, tipluf. roinc, pum, bléin.
ok. salsicha. pode enterrar. afago.
snork, oxigênio rarefeito e justo.
hmmm, já poss sentir o cheiro de silêncio.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

sagüi, mão pequenas e ele

sempre desconfiei de quem não acredita em Deus. desconfio também de quem não sofre, periodicamente, com alguma crise existencial. não confio também em pessoas de mão pequena. jamais confiarei então, naqueles que abusam da primeira pessoa.
ele pára. pensa. se sente culpado e volta a escrever.
ele não confiava em ateus. frios demais. não confiava em que não tinha nenhuma crise existencial de quanto em quanto, conformados demais. e, não sabe bem o porquê, se foi alguma experiência ruim na infância envolvendo o circo e atrações bizarras, mas ela não confiava também em pessoas de mãos pequenas. sagüis estão completamente fora de questão. cachorros sim, fiéis e companheiros. sagüi, meu irmão, se deixar leva até tua esposa.
sagüis estão bem em cima das árvores, cachorros são bons no passeio.
não se sabe o que esperar de sagüis e pessoas de mãos pequenas. nunca se sabe.
ateus, em geral, brigaram com algum pai. simbólico, coisa de psicanalistas. pátria, partido, padre. todos as referências de ordem maior num arquétipo masculino ou algo do gênero, exatamente do gênero. conformados jamais brigaram com o pai. nenhum. nem a mãe, nem o irmão espaçoso, nem nada. não brigam, é uma opção divina. é dádiva, desopila o fígado e te faz querido em ambiente sociais.
sagüis, em geral, são queridos em ambientes sociais. como cachorros bonitos e crianças recém-nascidas. mas até eles começarem a bater carteira, dar um gole na sua cerveja e dar em cima da sua garota. daí eles são expelidos. sagüis são meio macunaíma. por isso desconfie deles. bonobos são macacos gentis e que transam muito. por isso gostamos deles. porque queríamos ser gentis e gostaríamos de transar muito. bonobos resolvem atritos e encalces sabiamente. mas estamos ocupados demais trabalhando e brigando com alguém. chimpanzés freqüentam circos como sagüis e pessoas de mão pequena. chimpanzés são mais violentos. por isso agora gostamos de bonobos. chimpanzés poderiam ser motoristas em grandes metrópoles, sagüis poderiam ser políticos e bonobos poderiam desenvolver uma bonocracia, onde a gentileza e o sexo conciliador resolveria os atritos sociais mais proeminentes. preeminente e proeminente me confundem. sagüis me enganam, e pessoas de mão pequena me deixam desconfiado. como abusos em primeira pessoa pode ser algo patológico, ele pára nesse instante

terça-feira, 10 de junho de 2008

pessoas geniais, incompreensíveis e portanto, fundamentais pra nos preservar na nossa própria ignorância reconfortante

uma vez li um comentário incrédulo sobre fanatismo, e romântico sobre fé. dizia algo sobre a fé ser solúvel. café. inevitável associação. mas o que interessa é que uma vez Marx disse que tudo que é sólido desmancha no ar. longe de qualquer acepção sociológica ou quântica, nunca consegui associar com outra coisa senão receita de bolo. nega maluca mais especificamente. o que é sólido, cozinha e se desmancha, naturalmente, no ar. não é isso que eles quis dizer? é engraçado ser ignorante, né? ferve e evapora, mistura e desaparece sem a gente perceber. fermento, manteiga, a empelotação que a farinha produz. só consigo pensar nessa frase aplicando numa receita de bolo. pessoas brilhantes e poetas sofrem disso: incompreensibilidade. Lacan, por exemplo, se tivesse um filho, jamais teria a menor capacidade de ensinar alguma coisa -- digo no âmbito ético, social, longe de conceitos psicanalíticos -- pro moleque, afinal, se é difícil pra estudantes universitários e até professores mestrados entenderem o que ele diz, imagine uma criança de dez anos. não sei como Lacan explica que não pode jogar bola dentro de casa, mas com certeza o gurizinho não vai entender. as pessoas não entendem nem o bom-dia do Lacan. precisou transcrever um seminário pra diferenciar quando ele está dando bom-dia e quando ele está relativizando sobre o desejo (num sentido lacaniano), influenciando o sujeito e o seu subjetivo (num sentido lacaniano) perante a ética normativa da contemporaneidade. precisa de um dicionário especial pra entender Lacan, já que ele resolveu ignorar que as palavras já tinham significado próprio e pertinente antes dele nascer. mas daí ele resolveu dar um sentido lacaniano pra tudo. a mãe dele achava o menino prodígio e criativo, "olha só, ele já inventa novos significados para os paradigmas da neurose na modernidade", o pai, como todo bom pai perante um filho incompreensível só pensava, "onde foi que eu errei...". eu não poderia falar de pessoas brilhantes e incompreendidas sem citar o Nietzsche, que já começa sendo incompreendido no próprio nome. com nove letras não tem o menor cabimento apenas três serem vogais. enquanto Marx mistura marxismo e culinária, Lacan tem seus bom-dias ignorados, Nietzsche tem a impressão que ofende alguém quando se apresenta. Isso pra não falar de Freud e de como pegou mal aquela história de Édipo e coisas fálicas. no final das contas, nós, ignorantes a priori e a posteriori, enxergamos Filosofia, Psicanálise e qualquer coisa que demanda anos de estudo e talento perceptivo, como Economia. você não entende nada daquilo mas sabe que deve servir pra alguma coisa num âmbito maior. tanto faz Aristóteles ou taxa de juros Selic, aquilo que o especialista falou está falado. o que nos resta é, apenas em público, mexer a cabeça de forma desapontada, como se estivéssemos inconformados com o aumento do superávit primário ou a abordagem da razão segundo Kant. o grande Outro ainda é o próximo adversário no campeonato; luta de classes deve ser algo ligado a geral e a numerada; e déficit é quando alguém é expulso.
ignorante e contente. um estilo de vida infalível.

poetas e os que escrevem

nunca entendi bem a diferença entre poema e poesia. para mim são questões para além.
a impressão que eu tenho é que o poeta vê as palavras em três dimensões. a gente apenas lê. e vê altura e largura. o poeta atravessa. lê altura, largura, diâmetros, dimensões, profundidade, e sente e se intimida, e pesa. e troca elas do lugar. e mexe com seus significados. e troca a gente de lugar também. ele consegue se aproximar do amor, se distanciar do amor ou ficar ao lado dele. o amor pode ser um empecilho ou um apoio. a gente não, a gente só lê amor e torce pra senti-lo. o poeta perpassa pelas palavras, escala as palavras, arrasta elas, engoli e às vezes até rouba algumas. o poeta pode roubar à vontade. às vezes pega uma e outra e forma uma nova. ele derruba, atira, descasca. descasca um monte de palavras. um significado atrás do outro. em escala, em progressão, em matrioskas.
a gente observa atônito. o poeta opera a palavra, construindo, demolindo, cimentando. um tipo raro de acesso. o poeta é transgressor porque olha a autoridade de cima. bem de cima. visto do alto a autoridade parece pequena, ilegível. a gente lê autoridade e respeita autoridade. de cima não dá pra ler autoridade, dá pra ver manchas. e o poeta é meio gestalt. escreve por manchas, ignora elas, inventa novas manchas de semântica. o que fica é inteiramente novo. a justaposição de palavras, justa porque legítima, entoa uma nova possibilidade. é disso que se trata seu poema, uma espécie de fisioterapia na gramática: ela recupera e amplia suas possibilidades. de perto pequeno parece tão grande. o poeta que me contou. eu ainda vejo pequeno. léxico. nexo. lógica. essas o poeta deixou pra trás. projetou-se no inflável, subiu e já avista adiante novas construções. não dá pra acompanhar o poeta. a leitura de cada palavra do texto consome meu tempo. ele lê tudo de uma vez, por impulso, por osmose. e dispensa cedilhas, acentos e acessórios desnecessários. e faz questão de todos eles.
de uma tacada só. numa só pulsão ele extravasa aquilo. e cria.
a poesia é mais que vestígio de um dom, é uma forma autônoma de ser e estar. e aí mora meu ledo engano de não-poeta:

CUIDADO

A poesia não se entrega a quem a define.

foi o Mario Quintana quem disse.
por isso existem os que são poetas e por isso existem os que escrevem. Neruda já dizia que "é tão difícil as pessoas razoáveis se tornarem poetas, quanto os poetas se tornarem razoáveis". resignado, me pinto de verde e me atiro no mato.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

café, pastel, melancia

à base de café, tingindo a alvura dos meus tenros dentes mansos, leio um livro de perguntas do Neruda e faço uma anotação mental: fazer poemas de amor.
paca, tatu, cotia, não.
começo terrivelmente mal. rimas e habilidades soberbas me confundem e me distraem. assobio uma velha canção inspiradora. tão velha que fui eu que inventei, como tudo a minha volta. infelizmente, tudo ao meu redor ainda não é tudo a minha volta. e pra tudo que já fiz não ganhei meus royalties, meus reais, nem meus dólares, Dolores, nem meus dólares.
anotação mental dois: conseguir um advogado.
advogados com certeza não entendem de poesia, a não ser Castro Alves, este sim não entendia patavinas de pontaria, e com um tiro no pé, talhou aquilo que poderia ser outro, como tudo que poderia ser outro caso não fosse. nenhum substantivo rima com doce, antes fosse fosso que rima com moço. entre alvoroço de rimas pobres, primas pobres, primas nobres, e, uma família comprida e economicamente desequilibrada, volto ao tabuleiro.
uma balzaquiana me liga e incomoda muita gente. duas balzaquianas me ligam, e vocês sabem, incomodam muito mais. antes do lenço, do sorvete e da auto-afirmação de independência com todas aquelas parcelas do carro quitadas, a terceira balzaquiana aparece, contrariando estatísticas, com uma gama de cervejas platinas de nomes bonitos, mas são fabricadas pelas mesmas nossas (jamais nossas) empresas. eu bebo a bela cerveza do lado de lá, feita pelos lados daqui, enquanto meus pés acompanham o ritmo sincopado do violão ausente, presente em minha memória, presente da minha vó quando era pequeno, que eu nunca soube tocar, não pára de tocar e irradiar alegria pelos meus tendões. tenho uma porção deles espalhados pelo corpo.
entre trejeitos esquisitos, rico espanhol que deus-me-deu, segue meu trajeto. tenho fraqueza com pendências e tendência ao dengo pleno. amém meu São Cristóvão, amém.
isso é poesia pura, limão e goela abaixo!
mais uma dose ególatra e já sinto o cheiro de esquizofrenia no ar.
oh, por favor, Dolores, eu nasci debaixo da lona do circo. tiro de letra qualquer coisa colorida e saltitante. inclusive insurreições no jardim de infância. anotação mental três: conseguir uma babá, convidar Dolores pra sair. sem dó, sem dó.
não vou devolver o Neruda que eu tomei e que você tomou também.
tomei um Neruda, litros de Neruda, misturei com uma Pessoa fermentada, e foi demais para o meu estômago à base de yakult. embriagado e torpe, regurgitei as mais lindas rimas de amor no colo de Dolores.
Dolores: te amo mais que pastel de feira!
anotação mental trinta e três: comprar um cavalo branco. com mp3 player.
faço uma drenagem linfática na melancia. na base da faca. expurgo suas pedras no rim na base do cuspe. na base, uma porção de sementes. pensei em fazer um colar e dar pra Dolores, mas os passarinhos foram mais rápidos.