sábado, 28 de fevereiro de 2009

reverência

Se Deus vive no céu, então provavelmente ele é um pássaro. O frango à passarinho de domingo - sagrado, claro - foi o mais próximo do transcendental que eu cheguei nos últimos anos. Aqui me detenho.


"Mas que importa isso a mim e a ti! Outros pássaros voarão mais longe!"


Demasiado humano. Erguia sua mão para o alto e aquilo sim era uma reverência, uma manifestação legítima, dessa vez, relíquia. Não poderia dizer daonde vinha aquilo que o impulsionava, mas sabia que por ali, naquele engradado se havia de encontrar os românticos. De todas as espécies. Inclusive os pássaros. Principalmente os pássaros.

Seu braço erguido era uma reverência. A repetição era anulada em pensamento. Por um breve momento, aquela sensação constante se torna plena e se eleva: pausa. Primeiridade é pura. O momento é do silêncio, ele é quem vai falar. Atônitos, todos se observam e anseiam. Como sempre, como usualmente se observavam e se ansiavam. Mas nesse timbre agudo e mudo do silêncio, nunca-jamais. A aflição do detalhe. Ponto. A volta do surdo, marcando os compassos, é retumbante. Equilíbrio e ritmo. O suspiro de alívio e a comoção gera prazer. É tudo marcado e constante. Adiante. É tudo aplanado e perene. Pra sempre. É só o momento, o instante. Amante. É só um surdo marcado. Pesado.


Um Livro para Espítiros Livres


Ele jamais poderia acompanhar. Mas o outro sim era um cântico de alegria. O do braço erguido. Punho firme e celeste. Entre cometas e passarinhos, se dispunha erigido e falante. Era um cantador. E possivelmente todos éramos naquele engradado. Ainda somos. Mesmo fora. O engrado foi apenas uma tentativa metafísica do sujeito. Só funcionaria como um engrado pagão. Senão, não.


Ele fez um poema, guardaremos para um outro momento. Poemas são atemporais, de um maneira interessantemente instantânea.


Eis o Homem. Ele só acreditava na autenticidade de um pensamento que nos motivasse a dançar. Foi o Oswaldo que retirou dos meus pensamentos os códigos pra lá de adequados. Apenas isso, não conheço eles. Nem suponho conhecer. Perceber, sim, é um princípio levado adiante. Elevado adiante. Pássaros nas proximidades.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

calvo

era algo como um pressentimento se não tivesse vindo pelo correio. as malas-diretas me tratam com um requinte que não carrego nos meus bolsos das minhas calças dos meus cotidianos. mesmo percebendo de que nada ali, no transitório e escapulível, absolutamente escapulável, dia-a-dia do corpo-a-corpo de todos os nossos santos-dias seja meu de verdade. minha é aquela sensação quase pertubadora se não fosse a muralha impecável de tijolos de orgulho cimentados entre si numa fé pagã do sucesso imediato e irrecusável, e atemporal, e imprevisível, há de arrebatar as estruturas limitadas. onde eu estava? perambulando pelo prato do almoço, em sentido anti-horário contagio de todo o molho da massa o ingênuo arroz pálido, esquálido e solitário em seu amontoado. o arroz não é orgulhoso, se mistura, se espalha, se atreve a pular fora, abraça, beija, cumprimenta a todos ali. e, enfim, minha posse, minha mesmo, só a calvície que eu herdei do meu avô. pensei que ela era minha e voltarei cada vez que pensasse nela e naqueles momentos e instantes de tão prazerosos e estes sim, orgulhosos e obstinados a não voltar, sucumbidos às mais tenras sensações e: vejo o arroz escapulir novamente. de todos os devaneios criminosos o passeio pela praia é provavelmente o mais perigoso. o instante da brisa, e é bem possível que só tenhamos, de fato, calvícies e instantes, condena, meliantemente, o seu passado triste e perdido na confusão cinza e barulhenta da vida longe do mar. a paranóia é uma criança atrevida e mal-educada que precisa da nossa correção mental para o seu, meu, nosso prórpio bem. não deixe ela falar o que quer. comporte-a. compotas de pêssego e momentos delícia. ah, o mar...o mar não me cabe definição. o que é infinito à linha do horizonte não me permite, de nenhuma forma, cercear. definir é cercear uma pancada de coisas. determinar é inútil já que tudo é tão passageiro. em compensação poderia falar milhares de vezes das minhas aventuras pelas ondas, pelas sereias, peladas, polidas, enfeitadas, estrangeiras e de toda mobília que achei no oceano. o que cabe na sala eu coloco, de resto, vira ornamento pra caçamba e porta-seres-vivos ainda não protagonistas dignos de nossa percepção focada e intimidante, visto de baixo. calabouços, arcas, baús, engradados, caixas de fóforos, óleos de soja, complexos infantis envolvendo sociabilidade conflitantes e assim por diante. faz parte do mar. do que se trata afinal todo aquele princípio? vejamos: sentado de forma inglesa, dispõe seu livro de ilustrações predileto, todos do Magritte. agride o pulmão mas não perde o estilo: rasga um cachimbo e acende-o na boca. a mão esquerda se livra do fósforo e acena ao longe para o garçom. o hábito que faz o padre, que não precisa aprender a missa, que remonta, a remissa, prendada, a cortiça, nas juninas festas de João, supera neologismos e prolixias vis. limado, correto, ascepticamente conduz a cerveja. do balcão para mesa. pesado. da mesa ao balcão. leve. mas o que importa, dizia o roteirista, é o diálogo gestual entre nosso protagonista, heróis de todos os tempos, e o público, escancarado em suas poltronas velhas. dotado de um perfil britânico, com sua barba escocesa, um temperamento irlandês, e, como o mundo anda globalizado, um coração indiano, ele pausadamente abriu o jornal. se deparou com o deplorável, desprezível e inominável, começou a chorar por dentro, chego que não me agüento, de contar essa história. sem moral, claro. seu chapéu de côco se confunde na chuva. de volta ao seu lugar protege a vista. à vista, somente pessoas iguais. um tipo de paisagem cinética. deixa os pés para trás e revolve ao seu canto. e nós, voltamos para nossa cantiga, antiga e atonal, coisa de gente treinada na raça.
momento solene. um gesto do maestro e me proponho sem dúvida a começar. esta eu sei de cor. estou careca de saber. respiro fundo e ando mais calvo agora. toco sempre igual.