quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

calvo

era algo como um pressentimento se não tivesse vindo pelo correio. as malas-diretas me tratam com um requinte que não carrego nos meus bolsos das minhas calças dos meus cotidianos. mesmo percebendo de que nada ali, no transitório e escapulível, absolutamente escapulável, dia-a-dia do corpo-a-corpo de todos os nossos santos-dias seja meu de verdade. minha é aquela sensação quase pertubadora se não fosse a muralha impecável de tijolos de orgulho cimentados entre si numa fé pagã do sucesso imediato e irrecusável, e atemporal, e imprevisível, há de arrebatar as estruturas limitadas. onde eu estava? perambulando pelo prato do almoço, em sentido anti-horário contagio de todo o molho da massa o ingênuo arroz pálido, esquálido e solitário em seu amontoado. o arroz não é orgulhoso, se mistura, se espalha, se atreve a pular fora, abraça, beija, cumprimenta a todos ali. e, enfim, minha posse, minha mesmo, só a calvície que eu herdei do meu avô. pensei que ela era minha e voltarei cada vez que pensasse nela e naqueles momentos e instantes de tão prazerosos e estes sim, orgulhosos e obstinados a não voltar, sucumbidos às mais tenras sensações e: vejo o arroz escapulir novamente. de todos os devaneios criminosos o passeio pela praia é provavelmente o mais perigoso. o instante da brisa, e é bem possível que só tenhamos, de fato, calvícies e instantes, condena, meliantemente, o seu passado triste e perdido na confusão cinza e barulhenta da vida longe do mar. a paranóia é uma criança atrevida e mal-educada que precisa da nossa correção mental para o seu, meu, nosso prórpio bem. não deixe ela falar o que quer. comporte-a. compotas de pêssego e momentos delícia. ah, o mar...o mar não me cabe definição. o que é infinito à linha do horizonte não me permite, de nenhuma forma, cercear. definir é cercear uma pancada de coisas. determinar é inútil já que tudo é tão passageiro. em compensação poderia falar milhares de vezes das minhas aventuras pelas ondas, pelas sereias, peladas, polidas, enfeitadas, estrangeiras e de toda mobília que achei no oceano. o que cabe na sala eu coloco, de resto, vira ornamento pra caçamba e porta-seres-vivos ainda não protagonistas dignos de nossa percepção focada e intimidante, visto de baixo. calabouços, arcas, baús, engradados, caixas de fóforos, óleos de soja, complexos infantis envolvendo sociabilidade conflitantes e assim por diante. faz parte do mar. do que se trata afinal todo aquele princípio? vejamos: sentado de forma inglesa, dispõe seu livro de ilustrações predileto, todos do Magritte. agride o pulmão mas não perde o estilo: rasga um cachimbo e acende-o na boca. a mão esquerda se livra do fósforo e acena ao longe para o garçom. o hábito que faz o padre, que não precisa aprender a missa, que remonta, a remissa, prendada, a cortiça, nas juninas festas de João, supera neologismos e prolixias vis. limado, correto, ascepticamente conduz a cerveja. do balcão para mesa. pesado. da mesa ao balcão. leve. mas o que importa, dizia o roteirista, é o diálogo gestual entre nosso protagonista, heróis de todos os tempos, e o público, escancarado em suas poltronas velhas. dotado de um perfil britânico, com sua barba escocesa, um temperamento irlandês, e, como o mundo anda globalizado, um coração indiano, ele pausadamente abriu o jornal. se deparou com o deplorável, desprezível e inominável, começou a chorar por dentro, chego que não me agüento, de contar essa história. sem moral, claro. seu chapéu de côco se confunde na chuva. de volta ao seu lugar protege a vista. à vista, somente pessoas iguais. um tipo de paisagem cinética. deixa os pés para trás e revolve ao seu canto. e nós, voltamos para nossa cantiga, antiga e atonal, coisa de gente treinada na raça.
momento solene. um gesto do maestro e me proponho sem dúvida a começar. esta eu sei de cor. estou careca de saber. respiro fundo e ando mais calvo agora. toco sempre igual.

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