quarta-feira, 16 de abril de 2008

um óculos sujo e um olhar de peixe morto

deixei de ser existencialista quando percebi que a conta do bar estava terminando corriqueiramente em três dígitos. existencialismo numa hora dessas? desemprego, violência, grandes conglomerados se tornando megas conglomerados, minimizando tua existência a possibilidade de se diferenciar socialmente optando entre a marca A e B, mesmo que ambas pertençam ao mesmo dono. existencialismo? deixa pra lá. reduz o teu questionar do sentido e do propósito disso tudo quando o teu time for rebaixado pra segunda divisão e ainda por cima propõe um terceiro uniforme constrangedor. daí sim, pense no sentido de sofrer por aquilo, das gozações alheias, pense nas horas em que você poderia estar dormindo ou vendo algum filme. existencialismo é bom aplicar no futebol, não na vida. aliás, nunca fui um existencialista convicto. nem deu tempo. primeiro porque insisto em acreditar em deus -- e é bom que Ele exista pro próprio bem dEle --, segundo porque uma vez cometi o ledo engano de passar por inteligente, e tentei ler um livro do Sartre, que se não me falha a memória, era ainda da fase do jovem Sartre (ah, esses jovens prodígios de vocabulário rico e raro). precisei apenas de dez minutos, coisa assim de chegar até a segunda página da introdução, pra ficar estupefato com a incompreensibilidade de um texto, que de alguma maneira foi argumentado com palavras que isoladamente você até compreende, mas que foram justapostas de uma forma que significam algo para além do teu intelecto.
achava que para ser existencialista bastava aquele meu óculos sujo e um olhar de peixe morto. não contava com a parte do conteúdo. fechei o livro e conformado me alojei no sofá, procurando alguma reprise do Seinfield. agora, em caso de existencialismo conveniente, extravaso minha aflição com meu par de allstar-blasé limited edition, cor de burro quando foge.

domingo, 6 de abril de 2008

tratado sobre o fracasso, parte I

fracasso. provavelmente do italiano, fracazo, significa, basicamente perder com desonras.
provavelmente do italiano, assim como eu, o fracasso andou me fazendo uma visitinha nos últimos tempos. coincidentemente, no mesmo momento em que minha auto-estima foi comprar cigarros e nunca mais voltou, o fracasso resolveu se assentar no entorno. como minha mãe me deu educação, eu o convidei para um café e um bolo de fubá. fracasso do tipo espaçoso, sentou no sofá, tirou a meia, e esticou suas largas pernas sobre a mesa de centro, derrubando a revista do mês, e dizendo que está pensando em ficar.
o fracasso costuma dizimar nossa possibilidade de satisfação e felicidade, portanto, para lidar com esta situação é importante você evitar pessoas de sucesso. não que isso implique em você ficar sozinho. até porque, uma pessoa que só conhece gente de sucesso não pode ser tão fracassada assim. portanto, reveja sua lista de amizades, e comece a selecionar aqueles que, por algum motivo (os quais você suspeita pela aparência ou pelo tom de voz com que os seus pais o reprimem) aparentam ser fracassados. mas pega leve, porque precisa haver uma adaptação. não pode querer entrar pro clube dos altamente fracassados assim, de bate-pronto. até porque, faz parte do fracasso não ser bem aceito em algum meio. agora, quando você identificar uma pessoa bastante fracassada, repare se esta mesma não extrapolou no quesito fracasso e passou pro quesito "seres humanos com seus valores de mortais não representam nada pra mim". veja bem, enquanto fracassado, minimamente você está reconhecendo os valores que permeiam nosso cotidiano, pelo menos, ocidental. banho, escovar os dentes, e hábitos ligados à higiene ainda não devem ser dispensados. é para você começar a andar com pessoas completamente deprimidas, não mendigos.
outra coisa que ajuda é abandonar a televisão, a não ser que você tenha tv a cabo que pega aquele canal de desenho. esse tá liberado. o resto, canais com aquelas garotas loiras de sorrisos candidamente brancos, evite ao máximo. até sessão da tarde. nada de final feliz, nada de jovens bem sucedidos que abraçam a gata no final. isso acabará contigo. se é pra sofrer com o que você não irá possuir, fique com aquela centrífuga esplêndida que não faz barulho e suporta até dois terços de uma melancia, mas que custa um gurgel, todo dia exibido numa simulação ginasial no polishop. também estão liberados aqueles leilão de jóias e bijuterias bregamente à la hebe camargo, que não apenas seria uma ofensa presentear alguém com aqueles colares, como aqueles brincos provavelmente arrumaria encrenca com o prefeito e aquele lei de poluição visual.
no caso de fracasso iminente seguido de bebedeira, primeiramente, beba bastante água, daí sim, hidratado, comece a beber. isso vai garantir beber por mais tempo. e, olha só, você não tem dinheiro pra conta! o que é um peido pra quem está na merda, já dizia meu amigo imaginário projetado pelos remédios que eu tomo pra dormir. esquece a conta, mete no cartão, de débito, de crédito, de alguém. faz parte do fracasso se esculhambar financeiramente, e, por isso mesmo, gastar mais.
olha, o fracasso é tipo furúnculo: começa do nada, coça, incha, arde, fica insuportável, explode.
daí quando você pensa que passou, vem outro em seguida. sem contar o constrangimento.
o fracasso não é culpa sua, mesmo que você tenha certeza (e com razão) de que é.
mas tente pensar que é culpa dos outros. quando você veio à Terra o mundo já era desse jeito, com essas regras aí, que definitivamente não te consultaram para criar.
ou seja, se você se identifica com um chimpanzé quando tenta entender as regras de críquete, beisebol, golfe, ou qualquer esporte que use um taco e dialetos do norte, é também plausível fracassar dentro da perspectiva de valores que você não sabe da onde tiraram...
ora, número 1, primeiro lugar, mulheres bonitas, empregos interessantes e coisas que costumam fazer inveja, não são simples. não são fáceis de conseguir, por isso valorizam.
requer aquela coisa, rara e mal distribuída chamada talento.
e se fracasso fosse um valor, provavelmente você também seria uma talentoso. e provavelmente também, nesta sociedade talentosos não seriam interessantes.
enfim, não se mate porque você é um fracasso, porque, se por acaso você não conseguir se matar, você morrerá de vergonha e frustração, e como sabemos, vergonha e frustração ainda não matam, apenas tornam a vida mais complicada e constrangedora.
o fracasso, de alguma forma, está ligado a uma triste capacidade de ser e estar limitado. pense o limitado como "conciso". e pense o "conciso" como "econômico". daí para o "sustentável" é um pulo. seja fracassado e faça bem para o meio-ambiente. afinal, somos todos biodegradáveis.
um brinde!