terça-feira, 2 de setembro de 2008

itinerário

música é boa e faz a gente esquecer do trabalho. barulho é ótimo quando você não quer se concentrar, mas realmente te atrapalha quando tenta ouvir teus pensamentos bons, em geral, aquele rouco, no canto, tímido, quase esvaindo. ah, as idéias ruins... é porque elas não são úteis, senão você veria como eu seria solicitado. já posso escutar meu telefone tocando e eu acenando à secretária, de modo que ela entenda que eu "não estou". toda arte é arte quando se trata de emancipação. quando não se trata de nada, daí é niilismo. artístico. e a vida, malambujada (pra ficar só nos adjetivos de família) ela também é arte, segundo alguns artistas. e se a vida não se trata de emancipação, e apenas coerção, assunção, compreensão racional do estúpido, daí, minha nossa senhora, prepara manto e a luz, que vai sobrar lamúria.
sempre à espreita existe uma certa quantidade de realidade. mas tem que se esforçar. tem que jurar que aquilo que você vê em superfícies que não pertencem às três dimensões não são reais. o que é imagem colorida, impressa ou representada por milhares de pixels, filho meu, não é real. real mesmo é aquilo do lado de fora do ônibus. infelizmente. igonorar o real é justo e legítimo. até apelando pra entorpecentes. mas daí tem aquele problema da falta de criatividade. mais interessante são as figuras de linguagem. é como xadrez, só que mais rico que o preto e branco. quem sabe usar se diverte muito. quem não domina as técnicas de montagem e desmanche de aliterações, rimas, pleonasmos e coisas que produzem um efeito literário engraçado, pra ficar no adjetivo mais simplório (a Macabéa era engraçada), fica só a admirar. o que já é bom. admirar é uma atividade que faz um bem pros olhos. às vezes tem que admirar de olhos fechados de tão bem que faz pra vista. jogar xadrez, compôr com figuras de linguagem e perceber a realidade pra fora do ônibus também são artes. não necessariamente de emancipação. mesmo que pessoas talentosas e esforçadas consigam ajustar os dois lados imprescindíveis. vou voltar ao plausível, palco de Pasárgadas íntimas e exclusivas, solicitações de devaneios e desvios de conduta daquilo que se espera, saúde mental mesmo. o ônibus ainda não me surpreende. continua passando todos os dias. mas tem algo ali fora que ainda vale a atenção. somos nós parados esperando. ao nosso lado, nós dois. poderíamos estar conversando e trocando informações precisas de nada que vá valer alguma coisa no mercado ou na aquisição de qualquer coisa. mais cedo ou mais tarde a gente deve ficar sabendo pra onde vai esse ônibus. eu só conheço o ponto que eu desço. a gente sempre repara nas pessoas que sobem e muito pouco nas que descem. e dou o sinal e o motorista me ignora. ignição. sento resignado. abro o jornal e tenho certeza que o mundo está de brincadeira comigo. ainda dá tempo de voltar àquela praia e construir aquelas coisas. mesmo de areia, mesmo que o mar acabe com tudo no dia seguinte. existe alguma coisa de valioso naqueles instantes que fazem tudo isso (e quando me refiro a "tudo isso" não se espante com metáforas desavergonhadas, porque de fato, não sei ao certo do que se trata tudo isso, está a aberto a interpretações, vis e pueris, de preferência) valer a pena. ainda dá tempo, o mais curioso e pode até ser triste, mesmo afastando de cara a tristeza, e é essa sempre a intenção, mesmo que mal-sucedida (o que seria da experiência da vida se não fosse nossas opções mal-sucedidas?), a idéia é que ainda dá tempo. o garfo do almoço de ontem funcionou como diapazão. o lá não estava lá então afinei de ré. a viola é velha e ainda faz comida boa. a música alimenta e emancipa se tocada de coração (foi um passarinho pra lá de esperto que me contou). liguei avisando que hoje estava doente.