terça-feira, 10 de junho de 2008

poetas e os que escrevem

nunca entendi bem a diferença entre poema e poesia. para mim são questões para além.
a impressão que eu tenho é que o poeta vê as palavras em três dimensões. a gente apenas lê. e vê altura e largura. o poeta atravessa. lê altura, largura, diâmetros, dimensões, profundidade, e sente e se intimida, e pesa. e troca elas do lugar. e mexe com seus significados. e troca a gente de lugar também. ele consegue se aproximar do amor, se distanciar do amor ou ficar ao lado dele. o amor pode ser um empecilho ou um apoio. a gente não, a gente só lê amor e torce pra senti-lo. o poeta perpassa pelas palavras, escala as palavras, arrasta elas, engoli e às vezes até rouba algumas. o poeta pode roubar à vontade. às vezes pega uma e outra e forma uma nova. ele derruba, atira, descasca. descasca um monte de palavras. um significado atrás do outro. em escala, em progressão, em matrioskas.
a gente observa atônito. o poeta opera a palavra, construindo, demolindo, cimentando. um tipo raro de acesso. o poeta é transgressor porque olha a autoridade de cima. bem de cima. visto do alto a autoridade parece pequena, ilegível. a gente lê autoridade e respeita autoridade. de cima não dá pra ler autoridade, dá pra ver manchas. e o poeta é meio gestalt. escreve por manchas, ignora elas, inventa novas manchas de semântica. o que fica é inteiramente novo. a justaposição de palavras, justa porque legítima, entoa uma nova possibilidade. é disso que se trata seu poema, uma espécie de fisioterapia na gramática: ela recupera e amplia suas possibilidades. de perto pequeno parece tão grande. o poeta que me contou. eu ainda vejo pequeno. léxico. nexo. lógica. essas o poeta deixou pra trás. projetou-se no inflável, subiu e já avista adiante novas construções. não dá pra acompanhar o poeta. a leitura de cada palavra do texto consome meu tempo. ele lê tudo de uma vez, por impulso, por osmose. e dispensa cedilhas, acentos e acessórios desnecessários. e faz questão de todos eles.
de uma tacada só. numa só pulsão ele extravasa aquilo. e cria.
a poesia é mais que vestígio de um dom, é uma forma autônoma de ser e estar. e aí mora meu ledo engano de não-poeta:

CUIDADO

A poesia não se entrega a quem a define.

foi o Mario Quintana quem disse.
por isso existem os que são poetas e por isso existem os que escrevem. Neruda já dizia que "é tão difícil as pessoas razoáveis se tornarem poetas, quanto os poetas se tornarem razoáveis". resignado, me pinto de verde e me atiro no mato.

Um comentário:

Bruno Sanchez disse...

Meu texto preferido do blog até o momento. Se isto não é poesia então o que seria?

Muito bom, mesmo. Parabéns.