domingo, 17 de agosto de 2008

monólogo

bege é uma cor que, de tão triste às vezes é suicida. portanto, deve sempre estar acompanhada de cores sóbrias e equilibradas. não queremos cromocídios. mas cores alegres destoam, e por isso irritam o bege, coitado. o bege sempre deve estar acompanhado, sempre. na essência ainda sou o mesmo, apenas me tornei mais tolerante à vida e todos os seus aspectos repressores e conformistas. fiz um samba-canção. nada rimava com nada. era profundo demais e utilizava metáforas que só eu entendia. ninguém gostou. por isso nem eu. nem nós. fadado a solar na escala de um dó sustenido, sempre amparado por retóricas fáceis, de chassi de caminhão. o medo maior era o branco. o ideal era o argumento sincopado. a cor sincopada. elas eram todas plenas, até as secundárias. precisava de alguma mancha. e escutá-la. minha primeira experiência Gestalt foi à base de molho de tomate. interpretei "descoordenado". não ressoava e isso que me deixava intranqüilo.
- ressoa!
foi em vão. os pássaros riam. e iam. o rio que havia ali foi aterrado. genial. se ainda houvesse o rio, poderia escutar o som do azul. mas dessa vez do azul doce do rio. riam. e assim se foi. em silêncio. o burburinho se esconde por trás de algum lugar da posição cromática. eles não me enganam e eu espero que eles saibam disso. minha filosofia é focada demais, não presta. abandonei a semiologia. me dizia muita coisa, mas de modo muito monocromático. vou voltar para o meu sertão. lá pra minha tribo que ainda me espera. pequeno pássaro azul. um ideograma de urucum que explica. e ressoa. alto demais. só os pássaros conseguem compreender porque são os únicos a voar tão alto. tão alto quanto o ressoar da minha vestimenta à base de urucum. a cor é uma vestimenta. o som é uma armadura. a poesia é letal, meu filho. uso-a com cuidado. vermelho. vermelha. o azul é sempre o mesmo. o gênero da cor só importa quando altera a gravidade do timbre. o azul é profundo e talvez seja por isso que passo a persegui-lo. tão profundo quando meu samba-canção. tão profundo que às vezes fica melancólico e triste. daí mantenho o bege à distância, só por precaução. detesto mortes trágicas. de rios e cores. daí sobra o cinza. sobre cinza. e estacionamentos. uma dialética entre o horizontal e o vertical. prédios espelhados, altos e completamente desnecessários. estacionamentos abaixo preservam aquilo que nos deteriora. asseguram que nenhuma planta passe por perto. começaram pelos rios, passaram às árvores. mais cedo ou mais tarde chegarão na gente. por isso que eu volto e componho músicas sem graça. a falta de talento não me desestimula. o que me desestimula mesmo é o prazo. e farto de todos os bilhetinhos corporativos de três dígitos que recaem sobre minha caixa postal mensalmente. faço da minha tralha (minha rede, minha malha, da boa), talher e toalha, uma trouxa, por eu que não sou besta de ficar aqui à toa.
com o dedo indicador eriçado junto ao nariz, ameacei e fiz uma promessa que já esqueci. o que pertence ao devir deve ser, momentaneamente, negligenciado. o arco-íris foi patenteado, e agora tudo que for colorido demais corre o risco de ser confundido com uma alegria que talvez não seja bem essa que você gostaria de transmitir. por isso o som. alto. autos, não. são barulhentos, poluidores. buzina atrapalha os namorados da frente, enfarta passarinhos e ofendem mães alheias. buzina é um rosa-choque saturado na retina de uma criança. crianças, pelo menos elas, deveriam ser poupadas. os passarinhos também. E todas as plantas. idiólatra, o ser humano moderno não perde esse hábito. algo me diz que o perigo dessa passagem ser irrelevante recai mais sobre o monótono da cor do que o monólogo do discurso.

Um comentário:

Emília Torcato disse...

desistiu de escrever nesse tbm?
não desiste não.